Dando o fora na Ilusão da Independência

Arthur e o grito da independência; Independência é morte; Algoritmo da Interdependência; Questões para refletir...

Hoje no Dando o Fora: Arthur e o grito da independência; Independência é morte; Algoritmo da Interdependência; Questões para refletir…

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Depois de uma longa pausa, estamos de volta. Sem tempo nem para desculpas. Agora que somos pais de dois filhos (sim, a família cresceu desde o último Dando o Fora!), temos que ir direto ao ponto. Eficiência parental - ainda estamos em busca de um estudo científico que a comprove. Mas com certeza existe! Vamos lá…Faz tempo que estávamos com os dedos (e a mente) coçando para dividir alguns pensamentos, algumas observações, algumas novidades com vocês. 

Nos dias de hoje, bombardeados por mensagens que promovem a produtividade, temos muitas vezes a impressão de que não podemos parar ou desacelerar. Mas é exatamente nessas pausas que a vida acontece. É quando paramos que conseguimos conectar alguns dos pontinhos que estão transitando em nossas mentes. 

E nessa última semana, tudo o que lemos, observamos e experienciamos apontou para um pontinho em comum: a ilusão da independência. O feriado de 7 de Setembro, e o contexto atual em que vivemos - onde muito se fala sobre soberania (uma outra forma de independência) - nos deu um empurrãozinho para retornar ao Dando o Fora. Sem presunção de que vamos voltar a escrever toda semana - bom, quem sabe? Vamos devagarzinho. Um fora atrás do outro. 

Bora dar o fora da ilusão de que somos independentes das pessoas e do mundo ao nosso redor? 

Dando o fora em…

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Arthur e o grito da independência

Uma das coisas que mais apreciamos na nossa mudança de volta ao Brasil é o fato de Arthur poder aprender mais, não só sobre suas raízes familiares, mas principalmente, sobre suas raízes culturais e históricas. Com cada lição que tem na escola, ele entende um pouquinho mais sobre como chegou aqui através de séculos de história.

Nos últimos dois meses, Arthur participou de vários eventos relacionados à cultura e história brasileiras: participou de apresentações de folclore, nos questionou sobre a escravidão, nos relatou sobre como o Brasil pertencia aos povos indígenas antes dos Portugueses chegarem (ficamos muito contentes de ver que o ensino de história parece ter finalmente atualizado sua antiga narrativa colonizadora). 

Mas foi uma peça improvisada sobre a Independência do Brasil que o deixou mais empolgado. O motivo? Arthur foi escolhido para fazer o papel de Dom Pedro I e estava muito animado para gritar bem alto: Independência ou morte!

Ao ouvir essa frase tão familiar dos nossos próprios anos de escola, eu (Thaís) me peguei perguntando se nossa busca por independência - com relação aos nossos pais, financeira, afetiva, profissional - talvez não seja nada mais do que uma ilusão vendida pelo marketing de uma sociedade de consumo: a ilusão da separatividade. A ilusão de que eu sou um indivíduo distinto de você que está me lendo agora, ou um ser distinto e isolado de todas as outras espécies que habitam nosso planeta.

A ciência já mostrou nosso profundo grau de dependência física com relação a outros seres ao nosso redor. Em seu livro Notes on Complexity (ainda sem tradução ao português), o Professor de Patologia da New York University Neil Theise, explica que “a nossa sobrevivência como seres humanos depende inteiramente da estreita cooperação entre nossas células humanas e não humanas” - nosso famoso microbioma de bactérias. De um ponto de vista puramente biológico, mais de 50% da matéria que compõe nossos corpos não são nossas. E quando mais da metade de mim, não sou eu, então, quem sou de fato? 

Neil Theise também explica como as fronteiras entre meu corpo e o do outro são totalmente ilusórias e arbitrárias, algo que nasce de como nosso olhar foi educado para ver o mundo - tanto historicamente como biologicamente. Algo que ignora o fato de estarmos sempre em profunda troca com todos e tudo o que nos cerca:

“Cada vez que você aperta a mão, beija ou abraça alguém, uma parte de “você” fica para trás e uma parte da pessoa que você tocou vai embora com você. Esse processo de troca bacteriana é tão intenso que os microbiomas de pessoas (e animais de estimação) que vivem juntas se transformam em um único grande microbioma compartilhado, uma entidade multicelular contínua que envolve as ilhas humanas (e também as de cães e gatos).”

Microbioma Humano - Todas as bactérias que fazem você ser você. Fonte: Scientific American.

Como podemos almejar qualquer tipo de real independência, tanto a nível individual quanto a nível coletivo? O que seriam comunidades realmente independentes? Onde elas viveriam? Em um mundo fora do universo?

Até mesmo a tão celebrada “independência” do Brasil, como é o caso de todo país, não passa de uma doce ilusão ufanista. Aliás, doce, não. Bem amarga, já que custou aos cofres brasileiros 2 milhões de libras esterlinas, estabeleceu uma dívida externa que levaríamos mais de 200 anos para pagar e garantiu profunda interferência inglesa nos assuntos brasileiros por pelo menos boa parte do nosso primeiro século de vida como nação.

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Independência é Morte

Conversando mais tarde com Vini, lembramos de uma frase que escutamos em um podcast (talvez tenha sido no Armchair Expert). O ser humano procura tanto o isolamento, a individualidade, a independência, mas se esquece que na natureza, em nosso DNA primata, se isolar significa morrer. 

Como primatas, seres altamente coletivos, nós não podemos sobreviver isolados. Precisamos da coletividade - é nela que mora nossa capacidade de sobrevivência. Foi através da nossa capacidade de formar grupos altamente dependentes que evoluímos. 

Gostamos da definição de evolução de Sri Ran: caminhar rumo à união. Quer dizer, para evoluir precisamos ultrapassar a ilusão de separatividade. 

Se estamos sujeitos à morte prematura se nos isolarmos da sociedade e não podemos depender somente do nosso corpo humano para existirmos como tal, talvez precisemos atualizar a frase tão famosa que Arthur gritou tão fortemente: Independência é Morte.Ser impecável com sua palavra é não usá-la contra você mesmo.

[Ao ouvir a soma das vozes, a totalidade das metas, das ânsias, dos sofrimentos, das delícias, todo o Bem e todo o Mal…Foi nessa hora que Sidarta cessou de lutar contra o Destino. Cessou de sofrer. No seu rosto florescia aquela serenidade do saber, à qual já não se opunha nenhuma vontade, que conhece a perfeição, que está de acordo com o rio dos acontecimentos e o curso da vida; a serenidade que torna suas as penas e as ditas de todos, entregue à corrente, pertencente à unidade.

Hermann Hesse, Sidarta

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Algoritmo da Interdependência: Como viver juntos nossa individualidade

Vivemos em um mundo altamente conectado, tanto através do espaço como do tempo. No meu projeto de doutorado, eu (Thaís) desenvolvi um modelo para prever o crescimento de tumores, mostrando como nutrientes (por exemplo, oxigênio) impactavam as células e seu crescimento, e como as células impactavam os nutrientes que estariam disponíveis num estado futuro. Quando as células iam se multiplicando, consumindo mais oxigênio, iam mudando seu próprio entorno. Sua própria condição futura. Para sobreviver, precisavam desenvolver outros mecanismos.

Da mesma forma, quando eu mudo, eu também mudo o mundo atual, e esse mundo mudado, impactará minha vida futura. Isso se aplica a cada um de nós, nódulos nesse constante algoritmo da interdependência - mudando em cada iteração o mundo presente e futuro.

Viver nesse algoritmo pode parecer assustador - principalmente no momento atual onde parecemos viver em bolhas - mas também pode nos empoderar. Me perceber parte e totalmente dependente do outro, perceber que cada ato meu, cada palavra minha tem esse potencial de moldar o mundo no qual estou inserida, traz também uma liberdade de escolha. 

Como vou me apresentar - momento a momento - para esse mundo?  Cada ato nosso é um voto de como vou querer modificar o mundo futuro. 

Para divertir nossos leitores fãs de matemática, segue um possível modelo de um algoritmo da interdependência:

Fonte: Com certeza não foi o Vini.

  • x(t): representa o estado atual do mundo (em um local específico), moldado pelas nossas escolhas no presente.

  • x(t+1): é o mundo do momento seguinte, resultado inevitável das interações de agora.

  • R: simboliza a resposta do mundo — como pessoas, natureza e sistemas reagem aos nossos atos.

  • T: é o tempo, que carrega nossas ações do presente para o futuro.

  • n: representa a intensidade ou o alcance dos nossos atos. Não é fixo: pode ser pequeno (um impacto local) ou muito grande (um efeito que reverbera coletivamente, globalmente).

Cada ato não apenas se soma, mas se potencializa ao longo do tempo. O expoente n mostra que nossas escolhas podem ganhar força de maneira imprevisível: quanto mais conectados estivermos, maior tende a ser esse poder de amplificação.

Dando o fora na ilusão da independência:

Para o Dando o Fora de hoje, deixamos três perguntas para refletir: 

  • Pense sobre o seu dia hoje: de quem você interdepende?

  • O que muda na forma como você se relaciona com os outros quando reconhece que somos seres profundamente interdependentes?

  • Se cada ato seu molda o mundo futuro, qual escolha você gostaria de colocar em prática ainda hoje?

Gostaria de compartilhar suas reflexões? Manda um email pra gente ou comenta direto no site! Adoraríamos te ler.

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