Dando o Fora no Excesso de Confiança

O esquilo de Oxford; Por que não conseguimos estimar nossas próprias habilidades?; Não subestime suas habilidades; A humildade é o segredo; Cultivando uma humildade confiante.

Hoje no Dando o Fora: O esquilo de Oxford; Por que não conseguimos estimar nossas próprias habilidades?; Não subestime suas habilidades; A humildade é o segredo; Cultivando uma humildade confiante.

Fonte: Shutterstock.com

Quando estamos atentos, podemos aprender muita coisa com os professores mais inusitados. Durante o mestrado, eu (Thaís) morava à beira de um riacho, rodeado de árvores. Um pequeno paraíso. Um certo dia, ao entrar na cozinha para preparar meu café da manhã, encontrei uma batata doce no chão. Inspecionei a batata doce e descobri traços de que alguém tinha tentado mordê-la. Coloquei a batata de volta na prateleira, e continuei com minha rotina. No dia seguinte, a mesma cena. A batata no chão e eu sem saber o porquê. A cientista em mim estava muito intrigada para descobrir quem estava brincando com minha comida. Coloquei a batata na estante e decidi que ia resolver esse mistério de uma vez por todas. Me fechei no meu quarto (que ficava ao lado da cozinha) e decidi estudar de casa até descobrir o que estava acontecendo. 

Para minha sorte não precisei esperar muito. Umas horas mais tarde, quando entrei na cozinha para preparar meu almoço, não acreditei no que vi.

O super-confiante ladrãozinho de batatas-doces.

Esse pequeno visitante estava tentando CARREGAR a batata doce (que era praticamente do seu tamanho) com os dentes. Ele poderia simplesmente ter sentado ali e comido a batata doce, poderia ter tirado pedaço por pedaço, poderia ter tentado pegar algo menor daquela cozinha que sempre ficava com a janela aberta, mas não, ele queria a batata. Independentemente do seu tamanho (ou do tamanho da batata), ele voltava todo dia para tentar tirá-la da estante, e todo dia a batata caia no chão.

Sem dúvida, a autoconfiança é um elemento fundamental em todas as áreas da nossa vida. Então como pode ela ser negativa, onde estava o erro do nosso pequeno amiguinho? Acredito que o erro estava no excesso. 

Aplicada na medida certa, a autoconfiança pode nos ajudar a acreditar no nosso próprio potencial de realização, e assim, a atingir objetivos pessoais e profissionais. Mas, assim como tudo na vida, em excesso a autoconfiança pode tornar-se altamente prejudicial. “Deixa que eu dou conta” é uma frase que pode nos trazer oportunidades de crescimento como também nos levar diretamente a um burnout quando empilhamos mais trabalho do que podemos carregar. Ou, no caso do nosso amiguinho fofo, mais batata do que os dentes podem carregar.

Bora dar o fora no excesso de confiança?

Dando o fora em…

3…

Por que não conseguimos estimar nossas próprias habilidades?

Quando Arthur tinha 3 anos, ele estava começando a nadar com um colete de natação. Ele atravessava a piscina batendo os pés e as mãos. Conforme ele ia nadando, ia ganhando cada vez mais confiança. Um dia estávamos todos fora da piscina e Arthur estava brincando no rasinho, sem seu colete. Até que algo caiu no fundo da piscina, e Arthur, todo autoconfiante, anunciou: “Deixa que eu pego”. E pulou. Naquele momento, eu acreditei por um segundo que ele realmente ia conseguir pegar. Até que Arthur começou a afundar e não subiu mais. Eu só me dei conta do que estava acontecendo quando Vini mergulhou para tirar Arthur do fundo da piscina. Naquele momento, aprendi duas coisas: primeiro, competência e confiança nem sempre andam juntas; e segundo, Arthur precisava urgentemente de aulas de natação.

"É quando passamos de novatos a amadores que nos tornamos excessivamente confiantes. Um pouco de conhecimento pode se tornar uma coisa perigosa”, explica Adam Grant em seu livro Pense De Novo, que ambos Vini e eu terminamos de ler esse mês.

Adam Grant explica essa dissonância entre a confiança e a competência através de um fenômeno conhecido como o Efeito Dunning-Kruger, um viés cognitivo que nos leva a superestimar nossas habilidades no início da jornada de aprendizado. Esse efeito foi sugerido em uma série de estudos realizados por Justin Kruger e David Dunning em 1999. Os estudos  mostraram que os participantes com baixo desempenho em testes de humor, gramática e lógica tendem a superestimar largamente suas habilidades nessas áreas. Curiosamente, melhorar as habilidades dos participantes levou a uma maior conscientização sobre suas próprias limitações. Ou seja, a ignorância tende a gerar confiança com mais frequência do que o conhecimento.

Para os autores, esse fenômeno está relacionado à falta de habilidade metacognitiva, ou seja, à capacidade de um indivíduo de monitorar e autorregular os próprios processos cognitivos.  Nas palavras de Adam Grant: "à medida que ganhamos experiência, perdemos um pouco de nossa humildade. Temos orgulho de progredir rapidamente, o que promove uma falsa sensação de domínio. Isso dá início a um ciclo de excesso de confiança". 

O gráfico abaixo ajuda a entender melhor esse ciclo:

A curva do efeito Dunning-Kruger, Confiança vs competência: Huh? Eu não tenho ideia; Monte da Estupidez: Fácil, eu tiro de letra; O vale do desespero: Oh, isso não é tão fácil como eu pensei; a Ladeira da Iluminação: Ok, isso está começando a fazer sentido. Fonte: Medium

  1. Escalando o Monte da Estupidez: Como iniciantes, muitas vezes superestimamos nossas habilidades devido à confiança inicial. Chegamos a um pico de confiança, acreditando que dominamos uma habilidade. (Arthur se jogando no fundo da piscina sem seu colete).

  2. Navegando pelo Vale do Desespero: A realidade se impõe e percebemos nossas limitações e erros. A confiança é afetada quando reconhecemos os desafios que temos pela frente. (Arthur afundando porque, na verdade, não sabia nadar).

  3. Subindo a ladeira da Iluminação: Ao abraçar o processo de aprendizado, gradualmente recuperamos a confiança e avançamos em direção ao domínio. (Arthur desenvolvendo confiança de que sabe nadar sem colete, após fazer aulas de natação, mas também entendendo que ainda tem muito o que aprender, como por exemplo a técnica crau).

De uma forma ou de outra, somos todos iniciantes em uma disciplina, amadores em outra, profissionais em algumas e completamente ignorantes em muitas outras. Por isso, da próxima vez que achar que sabe mais do que o treinador do seu time de futebol (ou seu colega do marketing) vale à pena se perguntar “onde me encontro na curva de Dunning-Kruger”?

2…

Não subestime suas habilidades. 

Se por um lado, demonstrar um excesso de certeza sobre assuntos ou atividades que não dominamos pode limitar nosso crescimento, por outro lado, subestimar nossas habilidades também não é o caminho.

Os estudos de Dunning e Kruger mostraram que os alunos que tiveram um desempenho superior, aqueles que estavam entre os 25% melhores alunos, também avaliaram incorretamente seu resultado final. A maioria desses alunos estimou suas pontuações como estando na faixa do 70º ao 75º percentil mas, na verdade, obteve pontuação acima do 87º percentil.  

Isso também é perigoso (mesmo que em menor escala) porque pensar que você é mediano em alguma coisa quando, na verdade, demonstra excelência pode fazer com que você perca oportunidades de se aperfeiçoar, de avançar sua carreira ou de compartilhar seu conhecimento com outras pessoas.

De certa forma, o efeito Dunning-Kruger (principalmente quando nos encontramos no Monte da Estupidez) é o oposto da Síndrome do Impostor, da qual já falamos em uma newsletter passada, em que a competência excede a confiança. Mas lembre-se: tornar-se sábio tampouco é uma questão de ter baixa autoconfiança ao ponto de se sentir como um impostor. Trata-se de desenvolver uma mentalidade de crescimento, de que  estamos em constante movimento. 

A confiança é simplesmente uma medida do quanto você acredita em si mesmo. E vale a pena lembrar: o oposto de se sentir sem poder - a base da síndrome do impostor - não é ter poder, mas sim se sentir bem na sua pele, de habitar seu corpo e acreditar na integridade dos seus valores. Essa capacidade ajuda a desenvolver a autoconfiança (na medida certa) para escalar os montes da vida.

1…

A humildade é o segredo.

Conversando com meu professor de física da época da faculdade (e mentor até hoje) sobre o assunto, ele me disse algo interessante: na matemática, uma das formas de provar algo é usando conhecimentos prévios. Por exemplo, posso demonstrar que 1+2=3, usando o fato de que 1+1=2. Da mesma forma, em nossas vidas, podemos demonstrar que somos capazes de atingir uma certa meta futura, olhando para as metas que já atingimos no passado. Desta forma, podemos estar confiantes em nossa capacidade de atingir alguma meta no futuro e, ao mesmo tempo, questionar com humildade se temos as ferramentas certas no presente (quer dizer: temos todo o conhecimento prévio de que precisamos?). 

Geralmente, a confiança e a humildade são vistas como opostas. Mas se você refletir bem sobre as pessoas que mais admira, é provável que elas incorporem essas duas qualidades em conjunto. Adam Grant chama esse equilíbrio de humildade confiante (confident humility).

Cultivar a humildade confiante significa ter segurança suficiente em seus conhecimentos e pontos fortes para admitir sua ignorância, fraquezas e lacunas. Confiança sem humildade gera arrogância cega, e a humildade sem confiança gera dúvidas debilitantes. Nossa disposição para aprender e para duvidar de nós mesmos é a chave. A humildade confiante permite que acreditemos em nós mesmos ao mesmo tempo em que questionamos nossas estratégias.

Dando o fora no Excesso de Confiança:

Humildade confiante e a metacognição

Em nossos dia-a-dias atarefados e cronofágicos é difícil ficar o tempo todo atento aos perigos do excesso de confiança. É difícil até imaginar por onde começar a desenvolver a humildade confiante que Adam Grant preconiza como melhor antídoto ao orgulho intelectual. 

A chave é cultivar bons hábitos e estratégias de metacognição (pensar sobre como pensar), nos tornando mais conscientes de nossos processos de aprendizagem e usando essa consciência para otimizar o tempo que temos para aprender algo novo ou desenvolver uma nova habilidade.

De acordo com o próprio Adam Grant, podemos cultivar uma humildade confiante principalmente através de três estímulos:

  1. Crie uma cultura de aprendizado, não de performance. Reconheça o que você não sabe, questione as melhores práticas e teste novas ideias, mesmo que falhem.

  2. Duvide de si próprio. As dúvidas podem motivá-lo a trabalhar mais e de forma mais inteligente, colocando-o em uma mentalidade de iniciante (Beginners' mind).

  3. Nutra-se das críticas e das opiniões ou fatos conflitantes. Reconhecer mesmo uma única razão pela qual podemos estar errados é uma boa dose de humildade. Pergunte-se sempre "Como eu sei?" e "E se eu estiver errado?".

Nossas sugestões: 

  • Uma forma de aumentar sua metacognição é através da meditação. Com apenas 15 minutos diários, Thaís notou um aumento enorme na capacidade de refletir sobre seus pensamentos e perceber como alguns deles são equivocados. 

  • Tente introduzir o conceito da humildade confiante durante a sessão de meditação, ou quando sentar para escrever em seu diário. Faça uma auto-reflexão honesta para descobrir suas lacunas de conhecimento e tente trabalhar para preenchê-las. Por exemplo, caso esteja lendo algo novo, use uma estratégia como a de K-W-L: 1. O que eu sei sobre o assunto?; 2. O que pretendo saber?; 3. O que aprendi com a leitura? Esses exercícios podem nos ajudar a entender melhor em que parte do processo nos encontramos e definir nossas estratégias para avançar.

  • Peça ideias e contribuições de outras pessoas, e confie nos outros quando eles forem os especialistas.

  • Quando tiver adquirido conhecimento suficiente (quer dizer quando se encontrar na Ladeira da Iluminação do gráfico de Dunning-Kruger), compartilhe com ousadia e humildade! Confie nos métodos e nas habilidades que te trouxeram até aqui, mas siga curioso para descobrir novas lacunas.

P.S.

No final, nosso amiguinho esquilo conseguiu o que queria, talvez não da forma planejada. Tocada com seus esforços, eu cortei a batata doce e coloquei os pedaços para fora da janela, para que ele pudesse carregá-los um por um.

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