- Dando o Fora em... 3, 2, 1!
- Posts
- Vieses Cognitivos: Use com Sabedoria.
Vieses Cognitivos: Use com Sabedoria.
Thaís e o viés de confirmação; Vieses cognitivos não poupam ninguém; A origem dos vieses cognitivos; Como usá-los com sabedoria; Dicas práticas.
Hoje no Dando o Fora: Thaís e o viés de confirmação; Vieses cognitivos não poupam ninguém; A origem dos vieses cognitivos; Como usá-los com sabedoria; Dicas práticas.
É quarta feira de manhã, tudo na total normalidade: Arthur está na sua aula de natação, Vini está esperando ele sair e eu estou em uma reunião com a empresa toda. Tudo normal até que às 10:30 Vini me manda uma mensagem: “Estranho, Arthur ainda não saiu da aula”. “Pergunta ao professor se está tudo bem”, respondi calmamente.
Até então tudo bem. Arthur normalmente sai da piscina às 10:15, mas como é o mais novo da turma, pensei que talvez estivesse com problemas para se vestir sozinho. Às 10:45, mando uma mensagem: “E aí, tudo bem? Saiu?”. Nada. Às 10:47, esqueço que estou com câmera e ainda em uma reunião e ligo para Vini. Nada. Com o coração acelerado, ligo diversas vezes, mando mensagens. Até que, às 11:11, não aguentando mais essa agonia do não saber, aviso à minha chefe que preciso sair, desligo o computador, pego a chave do carro e saio desembestada por três infinitos quilômetros.
Na minha cabeça a história já está prontinha: aconteceu um acidente e Vini não quer me contar. Tento ligar de novo, e de novo, e de novo. Ligo para o professor. Ligo para a piscina. Com certeza estão todos envolvidos e ninguém tem a coragem de me falar o que aconteceu com meu filho. Nesse momento me sinto culpada: “Eu sabia que ele era muito novo para entrar no time de natação. Ele deve ter pulado de cabeça e se machucado. Deveria ter seguido minha intuição.” Tento respirar. Tento pensar que provavelmente ele está bem. Rezo para que isso seja verdade. Imploro. Até que na minha frente aparece uma ambulância. Uma ambulância infantil! Pronto, agora tenho certeza de que estou vivendo meu pior pesadelo. Meu maior medo como mãe. Acelero mais ainda e sigo a ambulância que está indo para onde? Para a piscina! Começo a chorar e implorar e a dirigir feito uma louca. Tudo acontece muito rápido, mal consigo enxergar. Estaciono perto da piscina, saio correndo e… pera aí? Cadê a ambulância? Cadê todo mundo? Vejo umas mães sentadas conversando. Conversando! Pergunto em um francês gaguejado se as crianças já saíram. Elas dizem que não sabem, pois seus filhos pertencem à turma que treina após o horário do Arthur. Estranho, se aconteceu um acidente, por que ainda estão tendo aulas? Eles não seriam tão frios assim, ou seriam? Tento falar com o professor de novo. As recepcionistas dizem que não pode falar pois está em aula. Tento perguntar se viram meu filho sair da aula. Desolée, Madame. On sait pas.
Contrariada, mas um pouco mais calma, volto pro carro. Tento ativar a parte superior do meu cérebro. Desligar a amígdala por um segundo. Nesse momento, meu celular toca. Era o Vini explicando que estavam no metrô e por isso não estavam respondendo. As crianças tinham tido um problema com os vestiários e por isso tinham saído mais tarde. Todos estavam bem. Bem, todos menos eu. Eu, uma cientista, alguém tão racional, que adora acumular evidências antes de tomar decisões, que adora entender melhor o que acontece no meu cérebro nesses exatos momentos, tinha falhado em levantar outras hipóteses e fazer outras conexões. As hipóteses mais prováveis, diga-se de passagem.
Ao não conseguir contornar meus pontos-cegos, eu poderia ter perdido meu emprego, poderia ter tido um acidente a caminho de um não-acidente, poderia ter causado um acidente. Esta história me fez pensar em como estamos todos sujeitos a falhas de raciocínio e o quão perigosas elas podem ser. Por isso, queremos dedicar uma série das nossas newsletters a essas falhas, também conhecidas como vieses cognitivos.
Bora dar o fora nos vieses cognitivos?
Dando o fora em…
3…
Vieses cognitivos não poupam ninguém.
Nós temos tempo, informações e capacidade cognitiva limitados para tomar decisões assertivas. Para economizar energia, desenvolvemos estratégias semi-automáticas (ou heurísticas) para fazer julgamentos ou tomar decisões de uma maneira mais rápida e eficiente. Essas tendências "irracionais" não são aleatórias. São muito específicas e sistemáticas: mesmo em situações muito diferentes, as pessoas mostram as mesmas tendências típicas na forma como captam e processam informações para julgar e decidir. No entanto, se baseamos esse processo de decisão eficiente em informações incompletas ou inapropriadas, podemos acabar cometendo erros graves através de vieses cognitivos.
Os vieses cognitivos são fenômenos psicológicos robustos e universais, observados em vários níveis e setores da sociedade, inclusive na vida cotidiana, na política, no governo, nos negócios e na mídia. Esses vieses afetam praticamente todas as pessoas e são persistentes, levando-as a se sentirem confiantes mesmo quando as evidências são limitadas e quando estão cientes de seus vieses cognitivos. Por exemplo, estudos indicam que a maioria das pessoas acredita que é menos tendenciosa do que o indivíduo médio.
Desde sua introdução por Amos Tversky e Daniel Kahneman em 1972, a literatura científica já identificou e estudou mais de 180 vieses cognitivos, lindamente resumidos e categorizados nesse infográfico.
Em seu livro de 2011, Rápido e devagar, Duas formas de pensar, Kahneman explica como nosso cérebro funciona imaginando a colaboração entre dois sistemas. O sistema 1 é rápido e opera através de atalhos como associações, histórias e aproximações, muitas vezes saltando para conclusões imprecisas. Nós o aplicamos sem esforço e intuitivamente às decisões do dia a dia. Já o sistema 2 é devagar e só é chamado quando necessário para avaliar, confirmar ou corrigir o julgamento do Sistema 1.
É preciso de tempo, esforço e energia para pensar e exercer autocontrole. Quando o Sistema 2 fica sobrecarregado ou não é devidamente acessado, ficamos expostos a nossos vieses cognitivos e erros de julgamento.
Por outro lado…
Gerd Gigerenzer, psicólogo alemão e maior crítico do trabalho de Kahneman, argumenta que a heurística não é irracional ou tão somente um atalho (menos preciso) para o cérebro. Estudos feitos por Gigerenzer e pesquisadores associados identificaram situações em que "menos é mais", ou seja, em que saber menos pode sim te ajudar a tomar decisões mais precisas com menos esforço.
A chave é perceber quando estamos propensos a cometer erros, para que possamos evitá-los quando os riscos forem altos.
A tomada de decisão inteligente implica saber qual ferramenta usar para qual problema.
2…
Vieses cognitivos: tudo tem um porquê.
Dizem que a evolução faz tudo por um motivo. Se isso é verdade, como nosso passado evolutivo selecionou os vieses cognitivos, essas características que sistematicamente nos levam a erros de julgamento?
Para entender o porquê dos vieses cognitivos precisamos viajar no tempo, para a época dos nossos tatatatatatatatatatatatatata - ad infinitum - ravós, quando vivíamos em pequenas tribos e precisávamos ficar atentos à nosso ambiente o tempo todo para não virar comida de tigre dente-de-sabre. Porém, nos últimos 10.000 anos, a civilização humana evoluiu rapidamente, provocando mudanças significativas e situações de vida mais complexas. Enquanto a civilização foi se adaptando, aumentando drásticamente as variações de informação com que nosso cérebro precisa lidar, a biologia humana foi ficando para trás.
Hoje em dia, temos que tomar decisões muito mais complexas, ligadas a relacionamentos, carreira, investimentos, política, e muitas vezes tudo ao mesmo tempo. Porém, seguimos usando os mesmos atalhos mentais desenvolvidos para nossa vida pré-histórica. Mas nosso passado não é o único culpado. Aos poucos, fomos (e continuamos) adicionando novos vieses mentais através da cultura e educação - um processo que Don Miguel Ruiz chama de domesticação.
Mesmo sem saber a verdadeira razão e mecanismo evolutivo dos vieses cognitivos, existem várias tentativas de organizá-los e categorizá-los. Eu gostei muito deste blog post, no qual Buster Benson analisa os vieses através dos problemas que estão tentando resolver afim de entender porque eles existem, como são úteis e os erros mentais aos quais eles podem induzir.
Quatro problemas que os vieses cognitivos nos ajudam a resolver:
Sobrecarga de informações: Existe um excesso de informações no mundo e nosso cérebro usa alguns truques simples para selecionar que informações provavelmente serão úteis. Filtramos as informações usando coisas que já estão gravadas na memória (exemplo de viés atencional), detalhes que confirmam nossas crenças existentes (viés de confirmação) ou ignorando informações que consideramos comuns ou esperadas (efeito da bizarrice) → O ruído se transforma em sinal.
Falta de significado: O mundo é muito complexo e confuso, e precisamos dar algum sentido a ele para sobrevivermos. Quando nos deparamos com lacunas de informação, preenchemos os vazios criando histórias e identificando padrões (falácia anedótica), fazendo suposições com o que conhecemos ou com informação de fontes que confiamos. Imaginamos sempre que o “familiar” é melhor e mais preciso do que as coisas ou pessoas que não conhecemos (ou de quem não gostamos) → O sinal se torna uma história.
Necessidade de agir rapidamente: Sem a capacidade de agir rapidamente diante da incerteza, certamente não teríamos sobrevivido como espécie. A cada nova informação, precisamos fazer o melhor possível para avaliar nossa capacidade de afetar a situação (efeito de excesso de confiança), simular o futuro e agir de acordo com nossa previsão. → As histórias se tornam decisões.
Descobrir o que precisa ser lembrado para depois: Precisamos fazer apostas e compensações constantes em relação ao que tentamos lembrar e ao que esquecemos. O que guardamos nessa fase tem mais chance de reforçar nossos filtros relacionados à sobrecarga de informações (Problema 1), bem como informar o que vem à mente quando tentamos preencher informações incompletas (Problema 2). → As decisões informam nossos modelos mentais do mundo.
Quando essas soluções podem ser problemáticas?
Não vemos tudo. Algumas das informações que eliminamos ou ignoramos podem ser verdadeiramente úteis e importantes.
Nossa busca por significado pode criar ilusões. Às vezes, imaginamos detalhes que foram preenchidos por nossas suposições e construímos significados e histórias que não existem de fato (como no caso da Thaís com a natação de Arthur, episódio que abre esta newsletter).
Decisões rápidas podem ser falhas. Algumas das reações e decisões rápidas que tomamos podem ser injustas, egoístas e contraproducentes.
Nossa memória reforça os erros. Algumas das coisas que lembramos tornam todos os sistemas acima mais tendenciosos e mais prejudiciais aos nossos processos de pensamento.
Se conhecimento é poder, saber o que você não sabe é sabedoria.
1…
Vieses cognitivos: Use com sabedoria.
Apesar de alguns estudos terem demonstrado que treinos possam nos ajudar a diminuir nossos vieses cognitivos, até mesmo o “pai” da ciência sobre vieses cognitivos, Daniel Kahneman, não acredita que os vieses que ele identificou possam ser corrigidos definitivamente.
E agora? Não podemos dar o fora nos vieses cognitivos?
A resposta curta é não. Mas mesmo sem conseguir mudar nossos mecanismos mentais, podemos desacelerar e tomar consciência dos nossos vieses para dar tempo ao nosso cérebro de decisão mais lenta, com maior carga de análise e ponderação, de entrar em campo.
Se aceitarmos que somos permanentemente tendenciosos, mas que há espaço para melhorias, podemos utilizar nossos vieses como ferramentas a serem escolhidas para os problemas certos.
Há muito tempo (e principalmente hoje na era das mídias sociais) empresas e políticos descobriram como explorar nossos vieses para atingir uma forma de controle mental coletivo, visando nos manipular, nos fazer escolher produtos, caminhos e vidas que não são saudáveis nem para nós como indivíduos, nem para a humanidade como um todo.
Não acredita? Veja esta lista explicando como 20 vieses podem ser usados para vender um produto. Um outro exemplo é a teoria do nudge, o famoso empurrãozinho ou incentivo. Essas teorias e incentivos podem ser usados tanto para o bem como para o mal. Por isso precisamos aprender a lidar com esses vieses de forma consciente, responsável e ética.
Ninguém gosta de estar errado, mas eu gosto… porque isso significa que agora estou menos errado do que antes.
Kahneman nos mostra como pode ser divertido usar o erro como o começo do acerto, livres da necessidade de estarmos certos a todo custo, temos a chance de aprender algo novo e de entender o mundo um pouquinho melhor.
Dando o fora:
Dando o fora (ou pelo menos atenuando) os vieses cognitivos.
Algumas dicas para estarmos mais cientes dos nossos vieses:
Cultive a curiosidade: não feche com a primeira suposição ou ideia somente porque bate com suas crenças originais. Observe sua mente e não entre em modo pastor (quando pregamos para proteger nossos ideais), advogado (quando reconhecemos falhas somente no raciocínio da outra pessoa) ou político (quando tentamos conquistar uma plateia, mesmo à custa da verdade). Adote uma mente de cientista (experimentando com diferentes hipóteses para encontrar o conhecimento mais verdadeiro possível).
Desapegue-se de suas ideias passadas: Entenda que suas ideias não são sua identidade. Definir quem somos através dos nossos valores e não através de nossas ideias nos deixa mais abertos a aceitar que muitas vezes nossas hipóteses estão erradas e precisam ser repensadas. Isso faz parte do que é ser um bom cientista, um bom pensador.
Preste atenção às suas sensações internas ao enfrentar uma decisão: Não adianta, quanto mais pesquisamos mais temos certeza (ops, será que estamos sendo vítimas do viés de confirmação?) de que a prática de meditação é uma ferramenta “faz de tudo”. Quanto mais presentes estivermos no momento e quanto mais satisfeitos nos sentirmos com nós mesmos, mais provável será que nossa resposta venha da nossa mente superior (o Sistema 2 do Kahneman) e esteja alinhada aos nossos valores.
Ganhe perspectiva externa: uma forma de neutralizar alguns dos nossos vieses é buscar ativamente diversos pontos de vista e opiniões. Kahneman por exemplo sugere que reuniões comecem com os participantes escrevendo suas ideias sobre o assunto em questão antes que alguém fale. Dessa forma, o efeito halo - em que os pontos levantados primeiro e de forma mais assertiva dominam a discussão - pode ser atenuado e uma variedade de pontos de vista pode ser considerada.
Dê o fora nos cheerleaders e busque pessoas desagradáveis: Neste TedTalk, Adam Grant explica como pessoas desagradáveis mas que se importam com a gente (ou com o projeto em comum) podem nos ajudar a enxergar nossos vieses e alcançar nossos objetivos.
E acima de tudo: cultive a humildade intelectual. Reduza a quantidade de tempo e energia que você gasta tentando esconder ou ignorar seus vieses e pontos cegos. A humildade de saber que não sabemos leva à dúvida sobre as informações que nos faltam e à curiosidade de saber mais. Um ciclo virtuoso de conhecimento.
Precisamos ter humildade para reconsiderar compromissos passados, dúvida para questionar decisões atuais e curiosidade para reimaginar planos para o futuro.
P.S.
Enquanto pesquisávamos para a newsletter, descobrimos o blog Penso, logo invisto do governo brasileiro, que traz dicas e tópicos muito úteis como, por exemplo, estratégias para reduzir vieses cognitivos nas decisões de investimento e como usar o 13o salário de uma forma inteligente.
Vem dar o fora no Instagram!
Reply