Dando o Fora no Medo da Morte

Vinny, a paternidade e o medo de morrer; Medo de morrer ou de não viver?; A Morte como meta; A morte como motivação; Reflexões e exercícios práticos para renomear, redefinir e resignificar o medo da morte.

Hoje no Dando o Fora: Vinny, a paternidade e o medo de morrer; Medo de morrer ou de não viver?; A Morte como meta; A morte como motivação; Reflexões e exercícios práticos para renomear, redefinir e resignificar o medo da morte.

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Até meus 28 anos de idade, eu (Vinny) nunca tive tempo de pensar na morte. Muito menos ter medo dela. Viajava aos mais distantes lugares do mundo, em aviões que pareciam (quase que literalmente) de papel. Estava sempre em movimento, sempre preocupado com a vida, sem pensar muito no que acontece depois, pois esse depois sempre me pareceu tão distante quanto uma outra vida. Então nosso primeiro filho nasceu. E no meio dos sentimentos de alegria de ser pai, veio à tona aquele medinho da morte. Da minha morte, da morte da minha esposa (será que eu daria conta como pai solteiro?!) e, principalmente, da morte dele.

Lembro até hoje de embarcar rumo à Nairobi, em minha primeira viagem profissional após a licença paternidade. Arthur com meros três meses, lembro-me de sentar no avião com o coração pesado por deixar Thaís sozinha uma semana inteira (que mesmo hoje em dia parece uma eternidade), me ausentando pela primeira vez da vida do Arthur. Eu sabia que muito provavelmente nada aconteceria, mas e se acontecesse? E se o avião caísse (como cairia meros cinco meses depois o vôo 302 da Ethiopian Airlines, também rumo à Nairobi, levando consigo muitos colegas da ONU - também eles pais de filhos pequenos)? E se eu sofresse um atentado terrorista em Nairóbi (como viria a ocorrer, meros dois meses após minha estadia)? Imerso no medo da morte, passei o vôo chorando cada vez que ouvia chorinhos ou risadas dos vários bebês à bordo.

Felizmente, consegui voltar de Nairobi. E, fora cansaço extremo, saudade e um colchão estragado por uma banheirinha vazada, Thaís e Arthur ficaram bem. O medo da morte persiste. Ele é parte intrínseca do ser humano, da nossa psiquê. Desde os 4 anos, Arthur já nos enchia de perguntas: o que significa morrer? Todo mundo morre? Quando vamos morrer? O que acontece? Voltamos? Seguimos em frente? Apesar dos pediatras não recomendarem tentar explicar ou lidar com o tema da morte de forma muito racional com crianças ainda pequenas (acreditem, eu tentei. Após tentar dar respostas científicas, tive que consolar o Arthur durante longas horas de choro bem sentido), nós adultos já temos as ferramentas psico-emocionais para lidar de forma mais construtiva e positiva com essa angústia e medo ancestrais. 

Através da filosofia, da ciência e da psicologia, ao longo de várias leituras e conversas, Thaís e eu temos encontrado formas de renomear, redefinir e resignificar o medo da morte.

Bora dar o fora no medo de morrer? 

Dando o fora em…

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Renomear: Medo de morrer ou de não viver?

Após vencer meus preconceitos e mergulhar na leitura dos livros de auto-ajuda de Dale Carnegie, recentemente venci meu preconceito contra mais um best seller de auto-ajuda e ouvi a versão audiobook de A Sutil Arte de Ligar o F*da-se de Mark Manson. No capítulo final, Manson finalmente discute a principal referência filosófica da obra inteira, o livro A Negação da Morte, de Ernest Becker. De acordo com Manson, Becker argumenta que quase tudo o que os seres humanos fazem é uma tentativa de negar a própria mortalidade. Como sabemos que vamos morrer, criamos sistemas simbólicos (e.g. religiões, ideologias, conquistas, fama, status - ou até mesmo a escrita, que o escritor Milan Kundera define como vontade de persistir após a morte, em seu A Arte do Romance) que nos fazem sentir importantes e “eternos” de alguma forma, algo a que Becker se refere como “projetos de imortalidade”.

Uma vida obcecada com esses projetos é cheia de angústia, pois busca provar o impossível: que podemos vencer a morte. Becker e Manson propõem o contrário, que devemos aceitar a morte como inevitável e, a partir daí, escolher o que realmente merece nossa atenção e nosso cuidado (nossa prioridade) para viver plenamente e com propósito.

Conversando com a Thaís sobre este assunto, ela compartilhou um conto da tradição budista muito relevante que conta a filósofa Lúcia Helena Galvão à Monja Coen Roshi num episódio brilhante do Podcast ”Alma Talks”

Segundo o conto, um homem se espantou ao chegar numa cidade e se deparar com um cemitério onde ninguém parecia ter vivido além de sete ou oito anos de vida. “O que aconteceu de tão terrível nesta cidade que foi necessário um cemitério só de crianças?” perguntou o homem a um morador que passava. Ao que o morador respondeu, com um sorriso: “Nada de terrível aconteceu. Aqui temos uma tradição: desde jovens vamos anotando todos os momentos em que nos sentimos verdadeiramente vivos. O primeiro beijo, uma viagem dos sonhos, um pôr do sol especial, o nascimento de um filho… Quando morremos, nossos parentes e amigos somam o tempo de vida onde estávamos realmente “presentes” para gravar sobre a lápide. Pois é, de fato, o único tempo que foi vivido.” Como escreveu o filósofo estóico Sêneca em Sobre a Brevidade da Vida, “não há motivo para pensares que alguém viveu longamente só por causa dos cabelos brancos ou das rugas: ele não viveu longo tempo, mas existiu longo tempo.”

Nosso “medo da morte” nos leva a passar uma vida inteira em busca de projetos e legados que nos tornarão imortais, mas no processo esquecemos de viver (verdadeiramente). Hoje em dia, já não tenho tanto medo de morrer quanto de não viver plenamente. Pois para morrer basta não estar “vivo” e acho que muitos de nós, por medo ou preguiça, acabamos morrendo bem antes da morte física. Morremos de cansaço, de ansiedade, de passividade em frente à tela do celular e os feeds de mil e uma redes (anti)sociais. 

Ao renomear meu medo de morrer como “Medo de não viver”, posso retomar o controle sobre a minha vida e fazer com que, nas palavras poéticas de outro Vinícius, “seja eterna enquanto dure”.

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[A filosofia nos ensina a viver] aguardando a morte com pensamento favorável, com a convicção de que a morte não é outra coisa além da dissolução de elementos que compõem cada ser vivo… Por que temer a transformação e dissolução de todas as coisas? Pois isso está de acordo com a natureza, e nada constitui mal se está em conformidade com a natureza.

Marco Aurélio, Meditações

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Redefinir: A Morte Como Meta

Em sua introdução ao Segredo da Flor de Ouro, um livro de filosofia chinesa que me foi recomendado numa das palestras da Lúcia Helena Galvão, Carl Jung escreveu um curto comentário que transformou a minha maneira de definir a morte: menos como “medo”, mais como “meta”.

“A filosofia ioga chinesa baseia-se nessa preparação instintiva para a morte como meta, analogamente à meta visada na primeira metade da vida - procriação e propagação da espécie,” ele escreve. 

Jung explica que a morte é uma meta de existência espiritual, que busca gerar uma consciência separada, uma personalidade superior - que os chineses descrevem como “fruto sagrado” - que ultrapassa as preocupações mundanas e constitui uma preparação natural (e muito necessária) para atingir a meta de uma “boa morte”. 

Esta “boa morte”, antes da morte física, é a morte do ego (que nos faz crer que somos separados e independentes dos outros e da natureza) e o retorno a um estado pleno de unicidade e interdependência - um tema que também abordamos no Dando o Fora na Ilusão de Independência

O monge vietnamita Thich Nhat Hanh criou um verbo, “interser” para descrever esse processo em que as coisas não existem por si só. Um papel ou uma nuvem não são só um papel ou uma nuvem. São compostos por uma rede infinitesimal de elementos interdependentes, reunidos temporariamente sob aquela forma física. E, assim, não podem “morrer”, pois ao se dissolver, seus elementos continuam existindo. Simplesmente, mudam de forma. Vida e morte são apenas etapas neste processo contínuo e inexorável de mudanças. 

Mandala feita antes de 1929 por um paciente anônimo de Jung e representando a "flor dourada", o nome chinês para o arquétipo do Si Mesmo, incluído em O Segredo da Flor de Ouro.
Fonte da imagem: Wikimedia.

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Resignificar: A Morte Como Motivação

Além de meta existencial, como escreveram Jung e os mestres da filosofia chinesa, a morte também pode ser uma força de motivação para viver melhor aqui e agora.

O psicólogo americano Phil Stutz, que ficou muito conhecido pelo documentário O Método Stutz da Netflix e sobre quem já falamos diversas vezes aqui no Dando o Fora, criou uma ferramenta chamada Deathbed View - que significa literalmente a “visão do leito de morte”. 

A ideia é simples e poderosa: imaginar-se no próprio leito de morte, olhando para trás, e se perguntar “do que eu me arrependeria?”.

Stutz propõe que, ao imaginar esse momento final, todos os nossos tradicionais bloqueios desaparecem: o medo de julgamento, o perfeccionismo, a procrastinação. Sobra apenas o essencial, aquilo que realmente teria valido a pena viver. O que você gostaria de ter feito mais? De quem gostaria de ter se despedido com mais carinho? Quantas vezes deixou de fazer algo que queria muito por vergonha ou pressa? Quantas vezes deixou de se cuidar ou de estar presente com a família por demandas do trabalho?

A ferramenta do Deathbed View é um antídoto eficaz que Stutz desenvolveu contra a inércia. Ela traz para o presente o senso de urgência que normalmente deixamos para “um dia”. É uma forma de alinhar nossas ações diárias com o que é realmente importante. O essencial, que está ligado à nossa “essência”.

Ao resignificar a morte como motivação, podemos transformar nosso medo em bússola. A consciência da finitude deixa de ser paralisante e passa a ser um motivador constante de que a vida acontece agora.

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Bastante longa é a vida e suficiente para levar a termo os maiores empreendimentos, desde que bem utilizada. Quando desperdiçada [a vida] em luxo ou futilidades ou quando não é empatada em algo de bom, então, sob o impacto da derradeira e inevitável hora, vamos entender ter-se esvaída a vida sem que tivéssemos percebido.

Dando o fora no medo da morte:

Nas tradições budista e estóica, refletir sobre a morte, com serenidade, é lembrar-se de viver em estado de atenção. São todas formas de encarar a vida com presença, lembrando de que cada instante vivido com atenção já carrega em si todo o universo, o que veio antes e o que virá depois. Para o Dando o Fora de hoje, deixamos três reflexões inspiradas na nossa newsletter para te ajudar a renomear, redefinir e resignificar seu medo da morte:

  1. Renomeie o medo de morrer como medo de não viver. 

Reflita sobre o que está deixando para “depois” no seu dia-a-dia para que tenha o sentimento de estar vivendo uma vida inteira e comece um diário (ou um bloco de notas no celular) onde possa registrar só aqueles momentos em que viveu plenamente.

  1. Redefina a “boa morte” como meta.

Tente fazer uma lista o mais completa possível de tudo e todos que fazem parte de quem você é, desde as bactérias do seu microbioma às pessoas que te criaram, ensinaram e influenciaram. Você pode se inspirar lendo o primeiro capítulo das Meditações do Imperador Marcos Aurélio, assim como o livro do Professor de Patologia da New York University, Neil Theise, Notes on Complexity. Pratique a gratidão por ter reunidos dentro de você tantos elementos maravilhosos e reflita sobre como sua morte nada mais será do que um ato de “devolver” todos esses elementos que te compõe de volta à natureza.

  1. Resignifique a morte como motivação para viver plenamente.

Pratique a “visão do leito de morte” todos os dias, no momento que achar mais propício. Pergunte-se: se eu pudesse me ver do futuro, no meu leito de morte, o que eu agradeceria por ter feito e o que lamentaria não ter tido coragem de tentar ou de priorizar durante a minha vida? Tente focar em algo específico cada vez que fizer o exercício, para não diluir a motivação.

Gostaria de compartilhar suas reflexões? Manda um email pra gente ou comenta direto no site! Adoraríamos te ler.

P.S.:

Mas já que vamos morrer mesmo, por que não aproveitar alguns minutos de vida para preparar nossa ida, sem nóia, com amor e responsabilidade? Seguem abaixo algumas pequenas ações práticas sobre as quais vale a pena pensar (e fazer) sem esperar o Dia D: 

  • deixar claro o que você gostaria que fosse feito com seus bens, 

  • nomear quem cuidaria de filhos menores, 

  • compartilhar informações logísticas importantes com seu cônjuge ou família, incluindo acessos (senhas) importantes, e cópias de documentos essenciais,

  • registrar suas vontades de fim de vida, como doação de órgãos, tratamentos paliativos, eutanásia (quando legalmente permitido), etc.

  • Fazer um testamento simples, planejando doações a familiares e entidades filantrópicas.

Estas são só algumas ideias que Thaís e eu já discutimos e queremos implementar (apesar da correria do dia-a-dia ser um grande empecilho). Como todos os Dando o Fora, tudo o que escrevemos aqui é tanto para nós quanto para vocês, caros amigos e leitores.

Então, vamos dar o fora no medo da morte e nos preparar para viver os dias que temos pela frente com leveza e, acima de tudo, presença?

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