Dando o Fora no Medo de Negociar

As negociações de Thaís; O viés da ancoragem; Negociando com âncoras; Mulheres não sabem negociar e outros absurdos; Como dar o fora no medo de negociar.

Hoje no Dando o Fora: As negociações de Thaís; O viés da ancoragem; Negociando com âncoras; Mulheres não sabem negociar e outros absurdos; Como dar o fora no medo de negociar.

Quando eu tinha 12 anos, um professor me falou: “Thaís, você vai ser uma ótima advogada quando crescer”. Ele disse isso porque eu sempre saia defendendo amigos e lutando por causas com as quais me identificava, sem medo de agir para mudar as coisas. Minha mãe brincava que eu deveria virar vereadora, e mesmo durante meu doutorado em engenharia biomédica, ainda dediquei boa parte do meu tempo a causas sociais, principalmente lutando pelo direito de refugiados e exilados ao acesso à educação de qualidade.

Aos 33 anos, após um ano de licença maternidade, na minha primeira entrevista de emprego, percebi que mesmo apesar dos meus dons de “advogada”, "militante", cientista e engenheira, me faltava experiência num elemento chave da vida em sociedade: negociação.

Quando me perguntaram sobre meu histórico salarial (algo que já não é mais legal em 22 estados nos EUA), eu gaguejei o valor do meu pós-doutorado. Quando me perguntaram quanto eu esperava ganhar para uma vaga que tinha sido desenhada de acordo com minhas habilidades, eu não tinha parâmetro. Disse um valor qualquer que me parecia justo, acima da minha bolsa mas não muito alto, dentro de uma média que achei em algum fórum online. Tive medo de parecer ambiciosa demais ou arrogante (talvez algumas mulheres se identifiquem). 

Recebi uma oferta, apresentada como hiper-generosa, e senti que deveria estar agradecida pela oportunidade: afinal, o salário parecia bom comparado à bolsa de post-doc, era meu primeiro emprego após a maternidade e eles estavam se arriscando com alguém que nunca tinha trabalhado no setor privado. Além do mais, eu tinha certeza que a empresa saberia avaliar o valor justo pelo meu trabalho.

Inocente, eu sei! E fui ficando ainda mais ciente disso a cada mês que passava. Através de conversas com colegas e pessoas com maior experiência negociando e trabalhando com startups, eu percebi como estava sendo mal-paga. Minha experiência em negociação salarial melhorou com o tempo, mas enquanto eu fiquei na mesma empresa, todo aumento de salário estava limitado por aquele primeiro salário muito abaixo da média. Aquele valor inicial servia como âncora para meus chefes “Olha Thaís, você já teve 10% de aumento esse ano!”

Saí dessa empresa carregando comigo muitas lições de vida e carreira, além das habilidades técnicas. Aprendi a perguntar e conversar sobre salários e outros benefícios (quebrando o tabu no mundo profissional que não se fala sobre salário entre colegas) para estar ciente do que é possível e não me sentir deixada para trás. Não só pra mim, mas também para ajudar outras mulheres e colegas em situações parecidas. Aprendi a ser mais assertiva sobre minhas expectativas da empresa ou de qualquer futuro empregador. E, acima de tudo, aprendi que precisava aprender a não ter medo de me valorizar nas próximas negociações importantes da minha vida.

Bora dar o fora no medo de negociar?

Dando o fora em…

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O viés da ancoragem.

O viés de ancoragem é um viés cognitivo que nos leva a tomar decisões com base na primeira informação que recebemos (ou já temos de antemão) sobre um tópico. O viés foi originalmente explicado pelos pais da ciência comportamental, Amos Tversky e Daniel Kahneman, sobre quem já falamos no Dando o Fora.

Imagine que tivéssemos que adivinhar a população de Caruaru (PE) - para quem não sabe, a Capital do Forró. Você pode não saber nada sobre Caruaru, mas você provavelmente pode começar com algo que você sabe, como a população da sua cidade. Se você mora em uma grande capital, como o Rio de Janeiro (6.7 milhões de habitantes), você provavelmente imagina que a Capital do Agreste (sim, Caruaru é uma cidade de muitos nomes!) será bem menor, talvez com 1 milhão de habitantes? Já se você mora em Serra da Saudade (833 habitantes) - a menor cidade do Brasil -, você sabe que Caruaru é menor que o Rio, mas maior que Serra da Saudade. Talvez você suponha que Caruaru tem cerca de 100,000 habitantes.

Ao resolver este problema, nós usamos um processo de “ancoragem e ajuste” através do qual nos ancoramos numa informação conhecida (a população da nossa cidade) e ajustamos com base em critérios relevantes. O viés da ancoragem acontece justamente porque em muitos casos nossos “ajustes” não são suficientes. Veja a enorme diferença entre a resposta do Carioca (1 milhão) e a resposta do Serrano (100,000). Tudo porque eles partiram de uma âncora bem diferente. Para constar, a Princesa do Agreste (sim, mais um!) tem um pouco mais que 365 mil habitantes.

Quando estamos elaborando planos ou fazendo estimativas sobre algo, interpretamos informações mais recentes a partir do ponto de referência de nossa âncora, em vez de vê-las de forma objetiva. Isso pode distorcer nosso julgamento e nos impedir de atualizar nossos planos ou previsões tanto quanto deveríamos.

O viés da ancoragem pode surgir de duas maneiras: através de uma falha em nosso processo de ancoragem e ajuste, como no exemplo de adivinhar a população de Caruaru; ou através de um efeito de pré-ativação (priming effect). A maior diferença entre os dois é a origem da âncora, ou seja, da informação que utilizamos como foco para nosso raciocínio. O efeito de pré-ativação ocorre quando alguém ou algo nos apresenta uma informação como âncora. Uma das principais aplicações do priming effect está no marketing (claro...), sob o nome de “preço psicológico” e a internet está cheia de artigos como este, ensinando a marqueteiros como nos enganar através dos nossos vieses. Está na hora de acreditar na sua avó quando ela reclama que os produtos sempre sobem de preço antes de “entrar em promoção.”

Como todo viés, o viés da ancoragem pode ter um lado positivo, quando usado no interesse da sociedade. Experimentos conduzidos na China indicam, por exemplo, que âncoras podem ser usadas como um empurrãozinho (nudge) para melhorar a saúde física e mental de idosos e crianças.

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Negociando sob o viés da ancoragem.

Nós não nos damos conta, mas assim como passamos nossos dias tomando decisões, também passamos uma parte enorme do nosso tempo em negociações que vão das mais simples (O que vamos ver na televisão?) às mais complexas (negociações de salário; compra e venda de imóveis; negociações corporativas e jurídicas). 

Mas o que a negociação tem a ver com âncoras? Esta pesquisa clássica sobre ancoragem em negociações mostrou que as primeiras informações colocadas numa negociação (i.e. a primeira oferta) têm na maioria dos casos um impacto determinante no resultado. É nosso viés da ancoragem funcionando a todo vapor. E nem mesmo experts (i.e. agentes imobiliários) conseguem escapar de seus efeitos. 

A pesquisa sobre o viés de ancoragem mostrou que negociadores podem ganhar vantagem ao fazer a primeira oferta e ancorar a discussão a seu favor. Mas isso depende de dois fatores principais:

  • seu conhecimento da zona de possível acordo (ZOPA) - a faixa de opções aceitáveis para ambas as partes

  • e sua estimativa do conhecimento da outra parte sobre a ZOPA. 

Se você acredita que a outra parte provavelmente sabe mais do que você sobre o tamanho da ZOPA ou que vocês possuem o mesmo nível de conhecimento, você terá dificuldade em usar o viés da ancoragem a seu favor. Isso acontece principalmente quando você negocia com pessoas com quem tem relacionamentos de longo prazo (Dica baseada em experiências próprias: não tente ancorar seu cônjuge…).

Se nenhuma das partes sabe muito sobre o tamanho da zona de possível acordo (ZOPA), você pode ser capaz de lançar uma âncora com eficácia e deixar o viés da ancoragem dar um empurrãozinho em seu favor. Mas cuidado! Âncoras exageradas podem ter o efeito inverso, levando a outra parte a uma “reação desafiadora” que ponha em risco toda a negociação (e o relacionamento). Antes de lançar uma âncora, arme-se com o máximo de informações possível (damos mais detalhes na seção “Dando o Fora” abaixo).

Fonte: Pinterest

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Mulheres não sabem negociar e outros absurdos.

As pesquisas tradicionais sobre negociação geralmente utilizam ambientes competitivos e de baixo risco, muitas vezes usando simulações que enfatizam características masculinas como agressividade e confiança. Essa configuração favorece naturalmente os homens, que são regularmente vistos como negociadores mais eficazes do que as mulheres.

Mas para Andrea Kupfer Schneider, professora da Marquette University Law School, isso não faz sentido. Em seu TED Talk, "Women Don’t Negotiate and Other Similar Nonsense" ("Mulheres não negociam e outros absurdos similares"), ela refuta três mitos:

  1. Mulheres não negociam Hoje em dia, mulheres negociam tanto quanto os homens. Mas, muitas vezes, mulheres negociam outras condições além do salário (i.e. horários mais compatíveis com a vida familiar), menos ou não abordadas na maioria dos estudos tradicionais de negociação.

  2. Mulheres não deveriam negociar → A sociedade espera que mulheres sejam “recatadas” e boazinhas. Podem ser apreciadas ou consideradas como competentes, nunca os dois. Mulheres são penalizadas quando se comportam como “homens” (agressivas), mas também como “mulheres” (falta de liderança). Andrea afirma que isso é um mito, porque estudos demonstram que pessoas amáveis, firmes, agradáveis e assertivas são vistas como melhores negociadoras do que pessoas desagradáveis, agressivas e excessivamente competitivas, independente do gênero.

  3. Mulheres não sabem negociar → Para ela assertividade é apenas um de cinco pilares para ser bom negociador. As mulheres demonstram superioridade em todos os outros quatro pilares: empatia, flexibilidade, ética e intuição social. Um estudo de 2023 mostrou que o estilo de negociação "interpessoal e orientado para o relacionamento" das mulheres se traduz em primeiras ofertas menos agressivas e em maiores chances de fechar um acordo.

Chega de culpabilizar as vítimas: mulheres negociam, mas o sistema não ajuda!

Há mais de duas décadas, acreditava-se que o fato das mulheres negociarem menos que os homens explica a diferença salarial entre os gêneros. Mas uma pesquisa de 2023 revisitou dados globais e concluiu que, embora os homens tenham relatado maior propensão à negociação do que as mulheres antes do século XXI, esta diferença se inverteu desde então.  Ao contrário da crença popular, as mulheres profissionais agora relatam que negociam seus salários com mais frequência do que os homens, mas também que são recusadas com mais frequência.

Continuar culpando as mulheres por não negociarem a diferença salarial entre os sexos causa um duplo dano, perpetuando os estereótipos de gênero e enfraquecendo os esforços para combatê-los.

Laura Kray, Universidade de Berkley (autora do estudo)

Se você, como a Thaís, não soube negociar seu salário inicial, não deixe que isso afete seu direito a um salário justo para sua circunstância atual. Infelizmente, isso não vai depender só das mulheres. É preciso de consciência, principalmente por parte de empresas, escolas, da classe política e da sociedade para ressocializar o lugar da mulher à mesa de negociação: derrubando os mitos, recompensando e promovendo a negociação em todos os contextos, penalizando e evitando desequilíbrio de gênero nos ambientes de trabalho e aumentando a transparência de salários e benefícios. Só assim poderemos aumentar a probabilidade de que as mulheres irão pedir - e receber - igualdade de tratamento. 

Dando o fora no medo de negociar:

Pratique em Casa: Em vez de uma reformulação completa do seu estilo, aprimore suas habilidades naturais e experimente diferentes estratégias em ambientes mais descontraídos. Praticar assertividade com amigos pode aumentar sua confiança para negociações sob pressão. Mas lembre-se também de praticar os outro quatro pilares de um bom negociador (especialmente se você for um homem ;)): empatia, flexibilidade, ética e intuição social.

Construa Confiança com Pequenas Conquistas: Permitir que a outra parte alcance pequenas vitórias no início das negociações promove confiança e cooperação. Conceder decisões menores, como horário e lugar de encontro, aos parceiros constrói uma dinâmica positiva de negociação.

Aprimore Sua Reputação: Cultive uma reputação como negociador cooperativo. Rotule claramente concessões durante as conversas, expresse gratidão pela cooperação no final da negociação e busque feedback positivo que melhore sua imagem.

Antes de negociar, prepare sua estratégia: Muito do nosso medo de negociar vem do medo de sair com um resultado desfavorável, que nos faça sentir explorados. Podemos nos preparar obtendo o máximo de informações sobre a outra parte, conversando e pesquisando, para tentar determinar para aquela negociação qual é a "ZOPA", ou zona de possível acordo. A segunda preparação importante é identificar o que William Ury e Roger Fischer chamam de “Melhor Alternativa a um Acordo” (BATNA: Best Alternative to a Negotiated Agreement). A BATNA é o seu limite, seu piso, agindo como uma “âncora de proteção” e permitindo que você não se deixe manipular a aceitar um resultado desfavorável. Nem sempre temos o luxo de uma BATNA forte ao entrar numa negociação - por exemplo, sua alternativa numa negociação de novo emprego pode ser ficar desempregado -, mas só a ação de identificar que não temos uma alternativa pode nos levar a uma maior preparação e cautela na hora de negociar, aumentando as chances de sucesso.

Não se sinta forçado a fazer a primeira oferta: fazer a primeira oferta e ancorar a negociação traz melhores resultados financeiros, mas também está associado a maior ansiedade e insatisfação com o processo e resultado da negociação como um todo. É o “Dilema da Primeira Oferta”. Então, se você não se sente confortável em fazer a primeira oferta, não se preocupe - você ainda pode sair satisfeito da negociação! 

Aprenda a lidar com âncoras desfavoráveis: se a outra parte tentar fixar a negociação numa âncora desfavorável a seus interesses, é importante reconhecer que você foi ancorado. Antes de responder imediatamente com uma contra-oferta, descarte a âncora - deixe claro que ela é inaceitável, fora da ZOPA, a zona de possibilidades. Faça então sua contra-proposta, explicando por que é justa e baseada em critérios aceitáveis para ambos os lados. No caso de uma negociação salarial, vale a pena ressaltar que sua contra-oferta é baseada no valor de mercado e/ou em sua experiência e habilidades.

Você precisa suspender sua reação quando sentir vontade de retaliar, ouvir quando sentir vontade de responder, fazer perguntas quando sentir vontade de dizer as respostas ao seu oponente, superar suas diferenças quando sentir vontade de impor seu caminho, e educar quando sentir vontade de intensificar. Aí tudo anda!

P.S.

Quer desenvolver suas habilidades gerais de negociação? O Vini ama os livros do William Ury (assim como a inspiradora simplicidade dos seus títulos).

Para as negociações mais desafiadoras | Supere o Não: Como negociar com pessoas difíceis

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