Dando o Fora no Medo de Dizer Não: Em busca do essencial

Arthur e a fase do não; O Poder do não positivo; Essencialismo: diga não a quase tudo; O essencial vem primeiro; Um desafio em cinco etapas para dar o fora no que não é essencial.

Hoje no Dando o Fora: Arthur e a fase do não; O Poder do não positivo; Essencialismo: diga não a quase tudo; O essencial vem primeiro; Um desafio em cinco etapas para dar o fora no que não é essencial.

— Arthur, vá pro banho.

— Não vou.

— Vá pro banho, filho.

— Não vou! 

— Então tá, não vá pro banho.

— Arthur, saia do banho.

— Não saio. 

Parece piada, mas quem tem (ou já teve) filho pequeno conhece bem a cena. Durante o desenvolvimento de sua personalidade, uma criança descobre rapidamente que uma palavra tão curta tem um poder enorme. Não. Após ouvir tantos nãos, a criança reconhece que também pode usá-lo para expor suas opiniões e vontades. A nós pais cabe abraçar a fase e aprender com ela. Aprendemos a interpretar cada não, a sermos flexíveis sem ceder demais. Aprendemos a negociar, e, se usarmos bem a oportunidade, aprendemos até a dizer nossos próprios nãos. 

Mas será que aprendemos a dizer os nãos certos, às pessoas certas, aos projetos certos, nos lugares certos, nas horas certas? Quando Arthur entrou na fase do não, estávamos em plena pandemia, fazendo o que podíamos para equilibrar home office com filho pequeno. Arthur estava com quase dois anos e eu (Thaís) acabara de começar um novo emprego. Naquele momento, movida pela necessidade de me provar como profissional pós licença maternidade, acabei dizendo muitos “sins”. Dia após dia, ia falando sim para todos os projetos possíveis, participando de todas as reuniões e trabalhando todas as horas do dia (com Arthur) e da noite (até as 3 da manhã). Quando alguém me perguntava como eu estava, a resposta estava postada nas bolsas profundas sob meus olhos. Eu sentia até um certo orgulho do sentimento de não ter tempo nem de parar para me sentir sobrecarregada. 

Mas como falamos na newsletter da semana passada, toda escolha implica perda e envolve muitos nãos. Ao ter medo de dizer não no trabalho, ao ter medo de dizer não em casa, eu estava dizendo outros “nãos”: para mim, para meu corpo, para minha saúde física e mental. Naquela época, Vini e eu passamos por isso juntos. Eu tive uma primeira crise de burnout, a dele veio em seguida. Durante minha segunda crise, percebemos que precisávamos mudar. E esta mudança iria requerer, acima de tudo, aprender (como nosso filho) a falar não para muitas coisas e pessoas, a fim de poder falar sim à vida que queríamos ter.

Bora dar o fora no medo de dizer não?

Dando o fora em…

3…

O poder do não positivo.

Quando eu (Vini) estava na faculdade, convidei o William Ury, mestre negociador e co-fundador do Programa de Negociação de Harvard, para dar uma palestra numa conferência. Fiquei muito feliz quando ele aceitou meu convite, e ainda mais quando jantamos juntos antes do evento. Poder conversar durante horas com um dos meus ídolos profissionais foi uma oportunidade única.

Ury é conhecido principalmente por seu primeiro livro, Como Chegar ao Sim (veja uma bibliografia dos seus clássicos no P.S. desta edição do Dando o Fora), mas sentado com ele naquele jantar, eu ignorava que alguns anos e uma crise de burnout mais tarde, seria o próprio Ury (em conjunto com meu psicólogo, Thaís e Arthur) que me ensinaria o poder do “não” para reconstruir minha vida e a alinhar minhas ações aos meus valores essenciais.

Aprender a falar “não” é difícil. Mas como William Ury explica em  O Poder do não positivo, falar um bom “não” significa antes de mais nada falar um grande “sim”. Um “sim” às suas próprias necessidades e valores, que correm o risco de ficar de lado se você não tomar o devido cuidado. Mas também um sim ao relacionamento que você talvez queira preservar, apesar do “não”. 

O “Não Positivo” do Ury é tão fácil quanto fazer um sanduíche (talvez até mais fácil, dependendo do sanduíche).

#MondayMeme pra vocês!

Um sanduíche em três partes:

  1. Fale Sim para si mesmo: seu “não” será tão forte e positivo quanto puder se ancorar naquele interesse ou desejo que você gostaria de proteger. Talvez você não aceite o convite para sair com amigos, pois se comprometeu em treinar cedo no dia seguinte para a maratona que você tanto sonha em correr.

  2. Fale Não sem vergonha, mas com tato e carinho: Ao falar “não”, explique se possível sua motivação. Isso evita muitas vezes que o outro leve seu “não” como uma afronta pessoal, mas lembre-se: você não pode controlar a reação alheia. O principal é que você esteja seguro em sua decisão para que possa se esquivar de reações baseadas na culpa e vergonha (lembram da Brené Brown?).

  3. Fale Sim para o relacionamento: Após falar “não”, frise as muitas possibilidades daquele relacionamento. Talvez você tenha alguma recomendação de alternativas para que o outro não se sinta bloqueado pelo seu “não”, ou você pode simplesmente expressar seu carinho e apreço pelo relacionamento. Se você disse “não” a um pedido de empréstimo ou de ajuda a um parente próximo, você ainda pode falar algo como “Eu sinto muito não poder ajudar, mas saiba que te amo e vou tentar ajudar de outras formas possíveis.” (desde que isso seja verdade, é claro!)

Ao me preparar para escrever esta seção do Dando o Fora, ouvi um dos últimos episódios do podcast do Tim Ferriss com William Ury (pura e gostosa coincidência!) e percebi que eu havia mal interpretado a parte do Não Positivo em que falamos "sim ao relacionamento". Eu achava que ao escolher dizer “não” eu precisava elaborar um plano de contingência para a outra pessoa, a qualquer custo. Invariavelmente, eu falhava e isso me fazia ou regredir a um "sim" a contragosto ou me sentir culpado. Lembre-se e evite meu erro: falar sim para o relacionamento significa apenas acenar que aquele “não” é apenas contextual, do momento. Você não precisa resolver a vida dos outros só porque disse um “não” - principalmente se for dito com respeito e carinho!

As palavras mais antigas e mais curtas, "sim" e "não", são aquelas que mais exigem reflexão.

Pitágoras

2…

Essencialismo: diga não para quase tudo.

Como Derek Sivers escreveu em seu livro “Hell yeah or No”, se você se sentir menos do que "com certeza!" (tradução livre de “hell yeah”) em relação a alguma coisa, diga não. Quando começamos a dizer "não" para quase tudo, deixamos espaço e tempo para nos dedicarmos completamente às poucas coisas que mais importam.

Em Essencialismo: A disciplinada busca por menos, Greg McKeown explora a fundo como identificar e eliminar tudo o que não é essencial das nossas vidas para podermos focar no que realmente importa. Antes de aceitar qualquer compromisso o Essencialista deve se perguntar: “Isso é o melhor que eu poderia estar fazendo com meu tempo e energia neste momento”? Será que estou investindo nas melhores atividades para mim? Nosso tempo e atenção são constantemente bombardeados com novidades, oportunidades e convites. Muitos até bons, mas a maioria trivial e pouquíssimo, de fato, vitais. O Essencialista está sempre à procura do “menos mas melhor” (Less but better): abrir mão do volume de atividades para fazer e focar nas coisas certas. Para otimizar sua contribuição, faça apenas o que é essencial.

Ao rejeitar a ideia de que podemos dar conta de tudo e fazer 30 horas caber num dia, o "não" torna-se uma ferramenta essencial (olha o trocadilho). Mas não é fácil. A sociedade geralmente nos pune quando falamos "não" (mesmo que isso seja um bom comportamento) e nos gratifica quando falamos "sim" (mesmo que sejam comportamentos nocivos). Fomos recompensados no passado por fazer mais e mais, até o ponto de chegarmos ao limite. McKeown chama isso de "Paradoxo do Sucesso" (que conecta bastante com o paradoxo da escolha).

O Paradoxo do Sucesso nos mostra que quando não escolhemos de forma proposital e deliberada onde focar nosso tempo e nossa energia, alguém vai acabar escolhendo por nós. Algo muito próximo do que a Lucia Helena Galvão falou nesse vídeo: “quando não escolhemos, somos escolhidos”.

Na seção Dando o Fora de hoje, lançamos um desafio essencialista para te ajudar a identificar o que é essencial na sua vida e saber quando dizer não.

As pessoas respeitam e admiram aqueles que têm a coragem da convicção de dizer não.

1…

O essencial vem primeiro.

Talvez precisemos ter mais coragem para dizer não, mas coragem ou não, será sempre mais difícil enquanto não tivermos clareza do que é essencial para nós. Como explica Mário Sérgio Cortella nesta entrevista (~5:00), temos que tomar cuidado para não misturar o que é essencial (objetivos) com o que é fundamental (caminhos que me ajudam a chegar no objetivo). Para ele, o mundo essencial é o que está na fonte, o fundamental é secundário.

Numa sala de aula, um professor realizou uma demonstração de como organizar nosso tempo e energia ao redor das nossas prioridades essenciais. Utilizando somente um vaso, pedras grandes, pedregulhos, areia e água, ele mostrou que, ao colocar no vaso primeiro as "pedras grandes" (ex. família, amigos e crescimento pessoal, exemplos de prioridades da Thaís), é possível encaixar tudo o que é importante. Se preenchermos nosso vaso (tempo) com coisas menores, como pedregulhos, areia e água, não sobrará espaço para as pedras grandes da nossa vida.

O essencialismo não requer que risquemos itens da nossa lista de tarefas, mas mudar a ordem pela qual vamos começar. Quando estiver incomodado com a falta de tempo para fazer suas coisas, lembre-se: As pedras grandes primeiro.

Essencial é tudo aquilo que você não pode deixar de ter; felicidade, amorosidade, lealdade, amizade, sexualidade, religiosidade. Fundamental é tudo aquilo que o ajuda a chegar ao essencial.

Mário Sérgio Cortella

Dando o fora no Medo de Dizer Não:

Um desafio essencialista em cinco etapas.

No final do livro Essencialismo, Greg McKeown lança um desafio de 21 dias para nos ajudar a explorar e identificar o que é realmente essencial em nossas vidas, para que possamos dizer Não a todo o resto com clareza e tranquilidade. 

Trazemos aqui para vocês uma versão modificada e simplificada do desafio, mas realmente recomendamos a leitura integral do livro e da newsletter de McKeown para mais dicas de como eliminar o não-essencial para uma vida mais intencional. 

  1. Escolha. Mude seu discurso de “Eu tenho que [fazer algo]” para “Eu escolho/posso [fazer algo]”. Por exemplo: “Tenho que escrever essa newsletter” → “Eu escolho escrever essa newsletter”. “Tenho que trabalhar” → “Eu escolho trabalhar”. Isso nos ajuda a entender que temos um poder de escolha. Sem esse poder não podemos falar em trade-offs.

  2. Comece o dia com uma intenção. Qual é a coisa mais importante que preciso fazer hoje? Ou, termine o dia com essa pergunta: qual foi a coisa mais importante que fiz hoje? Ao longo do tempo, você será capaz de reconhecer o que permanece importante na sua vida dia após dia (essencial) e tudo aquilo que pode ser eliminado.

  3. Filtre suas opções. Antes de tomar decisões importantes, faça uma lista de três "critérios mínimos" e três "critérios ideais" que qualquer opção precisa preencher para ser considerada. Se a opção não passar no critério mínimo, diga não. Mas se ela não atender a dois dos três critérios ideais, também diga não.

  4. Cancele compromissos. Quer dizer, ignore os custos irrecuperáveis, e para cada compromisso assumido se pergunte: “Se eu ainda não tivesse dito sim, eu aceitaria me envolver agora?"

  5. Acima de tudo, lembre-se das dicas de William Ury, ouse dizer um não positivo:

    1. Aprender a dizer "não" de forma eficaz é essencial para estabelecer limites, manter o respeito próprio e preservar relacionamentos.

    2. Um "não" positivo consiste em expor suas necessidades e preocupações, oferecer uma recusa clara e respeitosa e sugerir soluções alternativas (se possível: lembre-se que isso não é uma obrigação). 

    3. Ao dominar a arte de um "não" positivo, podemos obter controle sobre nossas vidas, nos comunicar de forma eficaz e construir relacionamentos mais fortes com base no entendimento e no respeito mútuos.

P.S.:

Esta newsletter foi em parte pensada como uma progressão natural da newsletter da semana passada (Dando o Fora no Paradoxo da Escolha), mas foi também inspirada pela nossa redescoberta do livro Quem Tem Medo de Dizer Não? da Ruth Rocha e Mariana Massarani (Editora Salamandra, 2006) que já há muito perambulava por nossa biblioteca. Virou livro de cabeceira. Além das maravilhosas ilustrações (bem no estilo aquarelado que adoramos usar no Dando o Fora), o livro é uma maneira divertida de discutir com as crianças a importância de aprender a dizer não.

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