O que fazer quando não dá pra "Dar o Fora"?

Anatomia de uma queda; Pensamentos de Viktor Frankl, Marco Aurélio e Thich Nhat Hanh para momentos difíceis; 10 lições de um acidente.

Hoje no Dando o Fora: Anatomia de uma queda; Pensamentos de Viktor Frankl, Marco Aurélio e Thich Nhat Hanh para momentos difíceis; 10 lições de um acidente.

Quando começamos o projeto do Dando o Fora, Vini e eu (Thaís) nos prometemos duas coisas: 1) seríamos sempre honestos com nossos leitores, mostrando realmente o que pensamos e quem somos, e 2) publicaríamos sempre às segundas, usando nossos leitores como parceiros de compromisso.

Para não quebrar nenhuma dessas promessas, o Dando o Fora de hoje é um pouco diferente, mais curto e direto. Foi o que deu para fazermos, dada como foi nossa semana…

Anatomia de uma queda.

Nossa semana começou com uma gripe (influenza) muito forte que nosso filho, Arthur, trouxe-nos de presente da escola e que deixou a família toda de cama. Nos primeiros dias, eu tive muita febre, muito tremor, ardor na pele, e noites horríveis. Na quarta de manhã, acordei com muito enjôo. Ao chegar no banheiro, senti minha pressão despencar. Me sentei na banheira (que ideia genial, né) e desmaiei. Acordei com Vini me chamando, falando que eu tinha batido a cabeça e que tinha uma poça de sangue embaixo da minha cabeça. Ainda atordoada, engatinhei até o quarto, onde fiquei deitada até que o Samu me levou para um hospital perto de casa: o começo de uma odisseia. 

Na emergência, fui atendida primeiro por dois enfermeiros. Auferiram minha pressão, temperatura, nível de glicose e me levaram para uma fila de espera. Nunca olharam minha cabeça. Três horas depois, um enfermeiro me buscou e me levou para a segunda fila de espera. Ele também não quis olhar minha cabeça: “O médico já já vem te atender”. 

Percebi que o “já já” da sala de emergência é muito relativo. O lugar estava um caos. Eram macas e mais macas espalhadas pelos cubículos, aos longos das paredes, pelos corredores. E pouquíssimos médicos.

Após 5 horas de espera, uma estudante de medicina finalmente me atendeu. Olhou minha cabeça e percebeu que teríamos que grampear. “O problema, Madame, é que eu nunca usei o grampeador, então precisamos esperar pela médica”. Uma hora depois, meu cabelo já duro do sangue que tinha absorvido, a estudante voltou com uma colega para limpar a ferida e poder me usar como cobaia. Além dos grampos, a médica pediu uma tomografia para ter certeza de que não havia quebrado a mandíbula ou algum outro osso na queda. E sumiram de novo. 

Abandonada naquele cubículo, sem saber quanto tempo mais teria que esperar, comecei a chorar. Eu estava exausta. Assustada. Sentada por horas. Sem comer desde a noite anterior. Sem saber se estava, de fato, tudo bem. E sem poder dar o fora dali até os médicos decidirem me liberar.

Respirei e lembrei de todas as lições e coisas que temos lido e escrito na produção do Dando o Fora. Percebi que aquele momento era uma oportunidade para colocar algumas das teorias em prática. Precisava aceitar aquele momento, já que não podia mudá-lo. Foquei na respiração, e, sem vontade nenhuma de ler ou ficar no celular (a não ser para trocar mensagens com Vini e com minha mãe), decidi mergulhar naquele caos.

Comecei a observar a leveza dos enfermeiros que ainda contavam piadas uns aos outros mesmo naquela situação caótica. Pude observar uma paciente que não parava de perambular e que ia ajudando outros pacientes pelo caminho. Na minha frente, a sala de emergência se tornou um quadro sobre a fragilidade do ser humano. Ao meu lado, uma senhora não parava de chorar e gemer; na frente, uma outra senhora com o rosto todo roxo de uma queda que tinha levado; do outro lado, uma menina que não parava de vomitar. 

Naquela emergência não existia nenhum orgulho. Apenas o ser humano em sua essência frágil. Não ouvi ninguém falando de seus carros, carreiras, dinheiro. Não vi ninguém sequer no celular. Mas vi olhos ansiosos esperando pelos médicos que nunca chegavam. 

Estávamos todos lá desde muito cedo e, naturalmente, chegou a hora da indignação. Ouvi um velhinho dizer que ele deveria ser o próximo, pois ele já estava esperando há muitas horas. Mas ao lado dele havia uma menina que estava fraca demais para sequer dizer que deveria ser a próxima, pois já não aguentava mais vomitar. E aí, quem teria prioridade? 

Lembrei de Viktor Frankl e de como é difícil manter nossa humanidade nestes momentos, quando só vemos nosso sofrimento pessoal. No meu estado observador, eu tinha consciência de que outros ali estavam piores do que eu e, como eu, precisavam escutar de alguém que ia ficar tudo bem. 

E ficou. Finalmente às 6 da tarde, após 11 horas na emergência, fui liberada. Minha tomografia estava ok, e hoje já estou bem melhor. Foi um dia assustador, mas também de muito aprendizado. Uma lição de como tudo pode mudar em um segundo e que mesmo quando não podemos mudar nossa situação, podemos mudar nossa atitude.

No Dando o Fora de hoje, te convidamos a explorar alguns curtos (mas grandes) pensamentos para aqueles dias em que a vida parece não dar brecha, nem pra "dar o fora".  

Dando o fora em…

3…

Viktor Frankl: sempre temos uma escolha.

“Tudo pode ser tirado de uma pessoa, exceto uma coisa: a liberdade de escolher sua atitude em qualquer circunstância da vida.”

“Quando não podemos mais mudar uma situação, somos desafiados a mudar a nós mesmos.”*

“Nada proporciona melhor capacidade de superação e resistência aos problemas e dificuldades em geral do que a consciência de ter uma missão a cumprir na vida.”

* Já usamos e falamos sobre essa citação, nessa newsletter sobre o otimismo trágico

2…

Marco Aurélio: avance sua iluminação mesmo na escuridão.

“Pense em seus muitos anos de procrastinação; como os deuses repetidamente concederam a você mais períodos de graça, dos quais você não aproveitou. Agora é hora de perceber a natureza do universo a que você pertence, e desse Poder de controle de quem você é descendente; e para entender que seu tempo tem um limite definido. Use-o, então, para avançar sua iluminação; ou ele irá embora e nunca mais estará em seu poder novamente.”

“Pense em você como alguém que morreu. Você já viveu a sua vida até aqui. Agora, agarre os dias que te sobraram, e viva-os de maneira adequada. Aquele que não transmite luz cria sua própria escuridão.”

1…

Thich Nhat Hanh: o não-dualismo da vida.

O sofrimento não é suficiente. A vida é terrível e maravilhosa! Como posso sorrir quando estou cheio de tanta tristeza? É natural – você precisa sorrir para sua tristeza porque você é mais do que ela.

Thich Nhat Hanh

Dando o fora :

10 Lições de uma queda.

  1. Se sentir que vai desmaiar, deite no chão. No ônibus, metrô ou até no meio da rua. Aprendemos essa dica de uma amiga depois do que já tinha acontecido, e achamos que vale compartilhar com todo mundo.

  2. Peça ajuda. Não tenha vergonha de pedir ajuda quando sentir que não vai dar. Ligue para o Samu, para um amigo, até para uma inimizade. 

  3. Use sua rede de apoio (real e virtual). Vini ligou para amigos que foram anjos, ficaram com o Arthur todo o o dia em que Vini me esperou no hospital e no sábado para podermos descansar. E amigos do Brasil e da Alemanha ficaram conectados conosco durante todo o processo.

  4. Esteja presente em cada situação. Se passarmos a vida fugindo de situações ruins, podemos estar pulando grande parte das nossas vidas.

  5. Se puder ajudar, ajude, mesmo em situações difíceis. Você se sentirá um pouco melhor. Os momentos em que pude ser útil na emergência foram os momentos onde me senti melhor. Por exemplo, poder encorajar a estudante de medicina a grampear minha cabeça foi um momento onde me senti útil, uma escolha de como me portar numa situação difícil e até dolorosa. 

  6. Não se sinta culpada por precisar parar. Respeite seu corpo e aceite seus limites. 

  7. Durma. Se agarre aos hábitos pilares de uma vida saudável, mas respeite seus limites. 

  8. Nada é totalmente ruim ou bom. Temos o controle de nossas mentes. É nossa perspectiva sobre as experiências que temos que as tornam ricas e cheias de aprendizados, produtivas, ou problemáticas.

  9. Seja grato. Você realmente tem muito mais para agradecer do que se dá conta. Poder ver meu marido, chegar em casa, abraçar Arthur, voltar a dar uma volta no parque depois de uma semana, tudo isso me preencheu de gratidão nessa semana. A gratidão continua sendo uma das chaves para a felicidade.

  10. Lembre-se que tudo passa. A impermanência é realmente a única certeza da vida.

Fonte: Tio do Pavê

P.s. se você gostaria de ler mais sobre a necessidade de parar, revisite nossa newsletter sobre dando o fora na produtividade tóxica.

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