Dando o Fora na Dependência Digital (Parte 2)

O que acontece quando não estamos no celular?; Mestres do tempo?; Desconectar para re-conectar; Minimalismo digital; 5 dicas práticas para ritualizar nossas vidas.

Nota: Por razões extraordinárias (eu, Vini, esqueci de enviar o post…), o Dando o Fora está saindo dois dias atrasado esta semana. Um grande agradecimento especial a uma de nossas queridas leitoras por nos escrever com uma gentil cobrança!

Vamos lá!

Hoje no Dando o Fora: O que acontece quando não estamos no celular?; Mestres do tempo?; Desconectar para re-conectar; Minimalismo digital; 5 dicas práticas para ritualizar nossas vidas.

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Após um longo fim de semana de Páscoa menos conectados, Vini e eu (Thaís) descobrimos que não precisamos estar disponíveis o tempo todo. Nos momentos que deixamos nossos celulares no quarto do hotel e aproveitamos longos cafés da manhã e longas caminhadas à beira do rio, nada aconteceu. Não perdemos nenhuma mensagem ou ligação urgente. O mundo não acabou. 

Por outro lado, ao voltar a Paris, percebi o quanto dependo do celular na minha rotina, do GPS ao whatsapp para combinar a logística doméstica. E cada segundo me pego lutando contra a vontade, a necessidade, de olhar meus emails, minhas mensagens, meu Slack. Olhando pelo lado positivo, me sinto mais consciente dessa vontade, e quando ela bate à porta, posso ativar minha força de vontade

Ontem, na fila do mercado, me forcei para não tirar o celular do bolso. Comecei a observar o que acontecia ao meu redor. Percebi o monte de comida que acho que nunca vou experimentar na vida. Percebi o quão caro o azeite está (10 Euros o Litro!). Ajudei uma senhora italiana a encontrar morangos, que ela só sabia que tinha por tê-los visto no meu carrinho (e porque não estava no celular). Conforme o tempo foi passando, comecei a me sentir mais ansiosa. Com a fila, mas também com o fato de querer olhar o celular. Passei horas sem ele durante as férias; mas agora, de volta à rotina e em um momento de tédio, sentia meu cérebro gritando para tirá-lo do bolso. 

Depois de 25 minutos e muita reclamação do povo ao meu redor, não aguentei. Decidi olhar um email para ocupar minha mente. Para fugir mesmo da situação. Escolhi uma newsletter de Seth Godin sobre o tema "medo e generosidade". Após ler o email, coloquei o celular de volta no bolso, e fiquei refletindo sobre essa frase: “O medo é voltado para si mesmo. No dia a dia, nosso medo é sobre nós mesmos....E a generosidade tem a ver com os outros. Como posso ajudar?". 

Quando estava quase chegando minha vez no caixa, escutei um barulho enorme. Um homem que estava na fila ao lado passou mal, caindo por cima do carrinho. Naquele momento esqueci do tempo que já estava na fila. Todos ali esqueceram seus celulares, seus atrasos, seus motivos de estresse. Cada um tentou ajudar da sua forma: um pegou uma água, outro buscou uma cadeira; alguém ficou abaixado conversando com o homem. A generosidade é, de fato, um antídoto contra a negatividade tóxica

Passado o susto, enquanto eu conversava descontraidamente com a senhora que estava à minha frente na fila, percebi como aquele momento tinha unido aquele grupo aleatório de pessoas - mesmo que por um micro-segundo. A nuvem de reclamações parecia um pouco menos cinza. Peguei minhas compras e saí caminhando pela calçada me perguntando quantas oportunidades de conexão e de auto-reflexão perdemos diariamente quando estamos mergulhados nos nossos celulares, e nos nossos medos?

Bora desconectar para re-conectar?

Dando o fora em…

3…

Mestres do tempo?

Para muitos de nós, o tempo representa um grande problema. Um dos meus primeiros pensamentos ao acordar é “Não tenho tempo”. Não tenho tempo para meditar, para me exercitar, para tomar café. 

Corremos atrás do tempo, como o Coiote atrás do Papa-Léguas. Desesperadamente. Freneticamente. Estamos tão apressados, que nem percebemos quando estamos desperdiçando nosso ativo mais valioso. “Apesar de cobiçarmos o tempo, nós o tratamos com pouco respeito”, é o que diz Phil Stutz em seu precioso livro Lessons for Living. Esquecendo de seu valor intrínseco e não-renovável, tratamos o tempo como se fosse algo que pudéssemos vender ou comprar. Como se fosse algo que pudéssemos controlar.

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A grande mentira da vida moderna é achar que a tecnologia nos torna mestres do tempo.

Em busca do tempo perdido, compramos coisas que nos prometem mais eficiência. Um novo celular, um novo carro, um novo smartwatch. Sim, podemos trabalhar de qualquer lugar, podemos chegar de A a B mais rapidamente, podemos medir o quanto dormimos ou andamos, tudo em nome da eficiência. Mas a verdade é que quanto mais tecnologia adicionamos em nossas vidas, menos tempo costumamos ter. O carro quebra, o smartwatch não para de vibrar, recebemos notificações na telinha do celular o dia inteiro. Hipnotizados pela tecnologia, ficamos sem tempo para as coisas que são essenciais. Quantas vezes não entrei no Instagram para procurar algo específico, só para perceber que tinha perdido mais de 15 minutos no meu feed. 

Antigamente, os povos e comunidades tradicionais celebravam o tempo. Celebravam cada estação - tanto do ano quanto da vida. Os mais velhos eram celebrados por terem passado pelo teste do tempo. Hoje, comemoramos a juventude. Chegamos ao ponto de bilionários gastarem milhões por ano para voltarem a ter o corpo que tinham aos 18 anos. Tudo o que é novo é melhor. O sucesso alcançado da noite pro dia vale mais do que o sucesso alcançado ao longo de muito esforço contínuo. A dieta rápida vale mais do que uma mudança de hábito alimentar longa e duradoura. O fast food é mais atraente do que a comida que demora para ficar pronta. 

Nossos ancestrais viviam da terra; tinham que esperar pelo tempo das coisas. Na nossa cultura Amazon Prime, esperar é um verbo antiquado. Acabamos vagando desesperadamente por um mundo agitado, frenético, sem sentido, tentando correr atrás de algo sem saber ao certo o que é que buscamos.

Como canta Caetano:

És um senhor tão bonito

Quanto a cara do meu filho

Tempo, tempo, tempo, tempo

Vou te fazer um pedido

Tempo, tempo, tempo, tempo

2…

Desconectar para re-conectar. 

Embora não seja segredo que as telas tomaram conta de nossas vidas, isso agora está mais evidente do que nunca. O Brasil é o quarto país do mundo em tempo de tela, com uma média de 9 horas e 32 minutos por dia; ou seja, passamos mais tempo nas telas do que dormindo. 

Nossa dependência da tecnologia para tudo, principalmente para comunicação, levou a um declínio na nossa presença genuína, afetando vários aspectos de nossas vidas. A mesa de jantar fica em silêncio quando as crianças competem com os celulares pela atenção dos pais. Aprendemos estratégias para manter as conversas quando apenas algumas pessoas não estão olhando em seus celulares. Trabalhamos, conversamos, relaxamos, compramos, encontramos nossos parceiros em uma tela que cabe no bolso. 

O avanço da tecnologia reduziu as distâncias temporais e espaciais, mas isso não garante uma verdadeira conexão. Um estudo apontou que 89% das pessoas haviam usado seus telefones durante seu último encontro social. Ao mesmo tempo, o mesmo estudo relatou que 82% dos adultos sentiram que a forma como usavam seus telefones em configurações sociais prejudicava a conversa.  A mera presença de um telefone em uma mesa muda tanto o assunto sobre o qual duas pessoas conversam quanto o grau de proximidade que sentem. A conversa se concentra em assuntos superficiais, imune às interrupções e a nosso grau minguante de atenção.

Imersos em constante ruído, perdemos a capacidade de estar sozinhos com nossos próprios pensamentos, dependendo dos outros para definir nossa identidade. A falta de reflexão pessoal compromete nossa compreensão de nós mesmos e, consequentemente, nossa habilidade de nos relacionar com os outros, diminuindo nossa empatia e habilidades interpessoais. Estudos mostram que a empatia entre estudantes universitários diminuiu em 40% entre as décadas de 1970 e 2000, com a maior parte do declínio ocorrendo após o surgimento das plataformas de mensagens online, salas de bate-papo e mídias sociais.

No livro "O Poder do Ritual", Casper ter Kuile destaca a websérie "The Future Starts Here" da cineasta Tiffany Shlain como exemplo de alguém que promove dias de descanso tecnológico. Tiffany compartilha sua experiência pessoal, mencionando que, apesar de amar a tecnologia, sentia-se constantemente reativa e não conectada consigo mesma. Inspirada pela percepção da finitude do tempo durante a doença de seu pai, ela e sua família decidiram desconectar-se totalmente da tecnologia uma vez por semana. Quando chega o dia sem tecnologia, “é como se uma válvula de pressão se liberasse de fatos, artigos e fofoquinhas que consumo todo dia. Me sinto muito mais equilibrada”, ela explica.

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Minimalismo digital

O minimalismo digital é uma filosofia que questiona quais ferramentas de comunicação digital (e os comportamentos relacionados a essas ferramentas) agregam mais valor às nossas vidas e aos nossos objetivos. Seu principal argumento: eliminar de forma intencional e agressiva o ruído digital de baixo valor e otimizar o uso das ferramentas que realmente importam pode melhorar significativamente sua vida.

Esses são alguns dos princípios do minimalismo digital de Cal Newport:

  • Perder oportunidades não é negativo: muitas pessoas justificam o uso constante de aplicativos e da mídia social listando todos os possíveis benefícios que perderiam se começassem a eliminar os serviços de sua vida. Mas pergunte-se: esses aplicativos estão realmente te beneficiando? Hoje, neste momento? Como você explica perder o potencial das experiências maravilhosas que existem fora do mundo digital?

  • Menos pode realmente ser mais: Evite desperdiçar seu tempo e sua atenção (bens valiosos e limitados) em atividades on-line de baixo valor. Concentre-se em um número muito menor de atividades que geram maior valor para sua vida. Essa é uma análise 80/20 (essencialista) básica para gerar mais valor na sua vida: fazer menos, mas se concentrar na alta qualidade.

  • Tudo começa com seus valores: Não tem jeito. Em algum momento da vida, precisamos fazer um exercício para identificar os valores que consideramos mais importantes, a base sobre a qual queremos construir uma vida equilibrada. Já trouxemos isso várias vezes no Dando o Fora e acredito que esse exercício de introspecção e autoconhecimento possa ter inúmeros benefício. Uma vez identificados, você pode usar seus valores essenciais como um filtro mais eficaz para decidir quais serviços ou tecnologias usar, fazendo a seguinte pergunta: isso agregará valor significativo a algo que considero essencial para a minha vida?

  • O melhor é diferente do resto: Mesmo que tenhamos respondido “sim” à pergunta acima, precisamos ainda nos perguntar: essa atividade é "a melhor" maneira de agregar valor nessa área da minha vida? Muitas atividades talvez ofereçam algum valor relevante para um determinado valor essencial, mas devemos focar no pequeno número de atividades que ofereçam o maior valor.

A Lei de Pareto: 80% dos resultados vêm de 20% das suas ações. Foque no que é importante.

  • A bagunça digital estressa. A redução da bagunça (clutter) digital, semelhante à minimização da bagunça física, pode reduzir significativamente o estresse e a ansiedade associados a cliques e scrolling infinitos.

  • Nossa atenção é escassa e frágil. A atenção é um recurso precioso, mas na era digital, empresas lutam até a morte (ou melhor, falência) para monopolizá-la e obter lucro. Por isso precisamos estar sempre vigilantes para gerenciar nossa atenção em meio a aplicativos e produtos projetados para o vício por grandes conglomerados da economia da atenção, como o Twitter e o TikTok.

  • Take it offline. Nossa biologia evolutiva não é adequada para o mundo digital, o que leva a sentimentos de exaustão após uma exposição on-line prolongada. O verdadeiro valor das atividades on-line está em sua capacidade de aprimorar os aspectos off-line da vida, enfatizando a importância da transição das conexões digitais para o envolvimento no mundo real. A organização e divulgação da Primavera Árabe através das mídias digitais é um ótimo exemplo de como esse equilíbrio pode ser encontrado: encontre algo que te interesse online, conecte-se com algum grupo ou amigos de muitos anos, mas tente trazer os benefícios para a vida off-line: marque um encontro do grupo na sua cidade, sente-se para um café com ou ligue para o amigo de longa data. 

Depois de ouvir dois podcasts com Cal Newport e ler alguns dos seus blog posts, começamos a pensar como estamos aplicando esse princípio em nossas vidas. Acho que esse sentimento explica o porquê de termos escolhido um formato mais longo para o Dando o Fora (acreditamos que seja possível aumentar nosso nível de atenção da mesma forma que temos reduzido) e nosso desejo cada vez maior de fugir das redes sociais (que nos geram uma constante ansiedade). 

Através da sua pesquisa e da forma prática e assertiva como leva sua vida, Cal Newport nos mostra que é possível adotar uma forma mais saudável de lidar com a tecnologia no mundo atual. Adotar um estilo de vida digital minimalista não significa rejeitar a tecnologia, mas sim reconhecer seu valor potencial e comprometer-se com o esforço necessário para aproveitá-la de forma eficaz à serviço dos nossos valores essenciais.

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Quase tudo voltará a funcionar se você tirar da tomada por alguns minutos, inclusive você.

Anne Lamott

Dando o fora na Dependência digital:

Para o Dando O Fora de hoje, trazemos uma mistura das ideias de Phil Stutz e Casper Ter Kuile, que falam sob várias perspectivas sobre um mesmo ponto: para recuperarmos uma relação adequada com o tempo, precisamos restaurar um sentido de ritual em nossas vidas modernas (não é à toa que o livro do Casper chama-se O Poder do Ritual). 

Mas como ritualizar nossas vidas, em prática? Estas cinco dicas podem ajudar:

  1. Submissão: a natureza do nosso ego é fazer o que quer, quando quer. Sempre parece que tem algo lá fora que não podemos perder (o famoso Fear of Missing Out, FOMO). O resultado é que temos dificuldade em focar em uma coisa só por períodos de tempo ininterruptos. Interrompemos um almoço para responder a uma mensagem. Precisamos tratar essas atividades como se fossem sagradas para restaurar um sentido de ritual em nossas vidas.  Pratique o unitasking. Pratique estar presente em uma tarefa ou conversa, como se fosse sagrada. Porque quando se tornarem realmente sagrados, não teremos mais coragem de interrompê-los. O sagrado eleva a atividade a algo maior do que o indivíduo - não se trata mais apenas de mim.

  2. Comprometimento tem a ver com conectar o passado, o presente e o futuro. Não precisamos usar essa ferramenta por períodos muito longos, mas sim no dia a dia. Se você prometer que vai meditar às 6 da manhã, esse momento se torna uma oportunidade de provar a você mesmo que você cumpre o que promete. E quando criamos esse hábito, nossa vida toma um ritmo organizado: comprometimento, ação, comprometimento, ação. O comprometimento nos conecta com o futuro e a ação com o passado. Sem isso, nossa vida se torna uma “sequência sem sentido de eventos não conectados”. 

  3. Conexão com o eu interior: Recupere sua solidão. Reserve um tempo (um dia, uma noite, algumas horas) para ficar sem dispositivos, sentar-se sozinho e apenas pensar. No silêncio e na solidão redescobrimos paixões passadas, descobrimos a auto-compaixão, descobrimos que somos bons o suficiente da forma que somos.

  4. Aprenda a dizer não. Ninguém vai se impor por nós. Nossos empregadores ficarão sempre gratos pelas horas a mais que trabalhamos. Seja deliberado sobre quando e onde você se desconecta e recarrega, e tire o telefone da mesa quando estiver conversando com alguém (principalmente com seus filhos!).

  5. Traga a conversa para o offline: É verdade que as mídias sociais podem nos ajudar a conectar (e reconectar) com amigos e criar comunidades. Mas precisamos recuperar as conversas cara a cara. Marque uma reunião, uma ligação, uma refeição ou um café ao invés de enviar uma mensagem de texto. Com certeza você vai se sentir melhor!

Agora é uma ótima hora de parar de correr contra o tempo.

Vem dar o fora no Instagram e no Whatsapp!

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